terça-feira, 11 de outubro de 2011

POESIA

No aniversário do escritor Carlos Drummond de Andrade, campanha tenta instituir o "Dia D"

Hoje não é só Dia de Halloween e Dia do Saci...em breve será o Dia D!

-Na foto, Carlos Drummond de Andrade dá autógrafos em Belo Horizonte, em 1954


Nesta segunda-feira (31), data em que Carlos Drummond de Andrade completaria 109 anos, o Instituto Moreira Salles propõe a criação do “Dia D”, dedicado ao poeta. Assim como o Bloomsday, que comemora em 16 de junho a vida e obra de James Joyce na Irlanda, o dia 31 de outubro seria dedicado a Drummond.

Para tentar instituir o “Dia D”, o IMS produziu o filme “Consideração do Poema”, que traz vários artistas declamando e comentando poesias de Carlos Drummond de Andrade (veja trecho abaixo). Entre eles estão Chico Buarque, Caetano Veloso, Fernanda Torres, Marília Pêra, Laerte, Drica Moraes, Cacá Diegues e Adriana Calcanhotto.

Fãs do poeta também poderão enviar vídeos com a sua leitura dos poemas, que serão usados para a realização de um novo filme. O IMS também produziu “No Meio do Caminho”, vídeo com 11 versões em diferentes línguas do poema mais famoso de Drummond declamado por personalidades como David Arrigucci Jr., Matthew Shirts, Jean-Claude Bernardet e Heloisa Jahn.

“Consideração do Poema” e “No Meio do Caminho” podem ser assistidos no site do Instituto Moreira Salles e também serão exibidos no centro cultural do IMS do Rio de Janeiro e em instituições parceiras.

Em outubro, o instituto vem promovendo uma programação especial dedicada a Drummond em várias cidades brasileiras. Nesta segunda (31), a homenagem ao escritor inclui leituras de poemas, exibição de filmes, saraus e discussões sobre a obra de Drummond em São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Porto Alegre, Belo Horizonte, Salvador, Paraty, Lisboa e em Itabira, interior de Minas Gerais, terra natal do poeta.

No poema O tempo passa? Não passa, de Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), há um verso que demonstra o quanto o escritor itabirano não dava importâncias às datas: “São mitos do calendário tanto o ontem como o agora, e o teu aniversário é um nascer toda a hora…”. E é exatamente o espírito dessa frase que os organizadores do Dia D, que será promovido amanhã, quando o mineiro completaria 109 anos, querem disseminar. “A intenção é esta: realizar esse evento todos os anos, não só aqui, já que é uma iniciativa do Instituto Moreira Salles (IMS). Queremos que a ideia se espalhe por todos os cantos e faça parte do calendário cultural do país, sem ser feriado. Que seja algo automático e corriqueiro para todos. Drummond merece ser sempre celebrado”, declara Eucanaã Ferraz, um dos curadores do projeto e consultor de literatura do IMS.

O Dia D Drummond é inspirado em iniciativa semelhante, quando não só os irlandeses mas gente de todo os cantos festejam o escritor James Joyce, anualmente, em 16 de junho, com o Bloomsday. Para Flávio Moura, outro curador do projeto, o objetivo do instituto é promover e difundir a obra do mineiro. E, para isso, está convocando parceiros e amigos para comemorar a data, em todo o Brasil, e até em Portugal, seja nas escolas, universidades, livrarias, museus ou até mesmo sozinho. “É mais uma oportunidade de reverenciar Carlos Drummond de Andrade. Este ano, o instituto servirá como difusor, para que, nos anos futuros, as pessoas possam organizar por conta própria suas comemorações. Vamos ter uma programação intensa em várias cidades, como Rio, São Paulo, principalmente, e também em Itabira e Belo Horizonte, com a exibição de filmes e documentários, recitais de poesia, debates. Temos despertado o interesse e a simpatia de muita gente e atraído muitos parceiros”, revela Flávio.

No começo do mês, foi lançado o site www.diadrummond.com.br, que traz todas as atividades ligadas ao evento e ainda oferece aos admiradores da obra do poeta oportunidade para enviar por e-mail seus próprios vídeos com leituras de poemas de Drummond. O material resultará em novo filme. “O interessante é que o que nos chegou até agora são declamações de poemas nada convencionais”, repara Flávio Moura. O site também terá conteúdo especial, como o filme Consideração do poema, produzido pelo IMS justamente para 31 de outubro, no qual nomes importantes da cultura brasileira leem poemas de Carlos Drummond de Andrade, entre eles Chico Buarque, Caetano Veloso, Fernanda Torres, Adriana Calcanhotto, Cacá Diegues, Antonio Cícero, Paulo Henriques Britto e Marília Pêra.

Enquanto isso, em itabira, o projeto Caminhos drummondianos, nome do museu de território que resgata a história de Itabira por meio da poesia de Carlos Drummond de Andrade, está com placas novas revitalizadas pela Vale e deverá se expandir para outras cidades que têm ligação com a poesia drummondiana, como Belo Horizonte, Mariana, Rio de Janeiro e distritos de Itabira, como Senhora do Carmo e Ipoema. O projeto consiste em 44 placas com poemas de Drummond espalhadas por locais que inspiraram o poeta. “Fiz a pesquisa dos locais que tinham a ver com cada poema e alguns desses espaços como a praça onde fica a maria-fumaça, em Itabira, que tem a placa ‘O maior trem do mundo’, foi toda restaurada. Outros locais estão tendo melhorias também. A prefeitura da cidade está investindo nisso”, adianta a professora Dadá Lacerda.

110 anos
O ano de 2012 vai marcar os 110 anos de nascimento de Carlos Drummond de Andrade e os 25 de sua morte, datas que prometem uma série de novidades. O poeta vai ganhar casa nova, ou seja, depois de 27 anos tendo seus livros publicados pela Record, a Companhia das Letras começa a reeditar toda a obra do escritor, com novo projeto gráfico e conselho editorial próprio. Drummond também será homenageado em Paraty, já que será o tema da Flip do próximo ano.


Veja vídeos e leia as poesias de Drummond





Poema de Sete Faces (Carlos Drummond de Andrade)

Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.

As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.

O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.

O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode.

Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus
se sabias que eu era fraco.

Mundo mundo, vasto mundo,
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.

Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.




Porque (Carlos Drummond de Andrade)

Amor meu, minhas penas, meu delírio,
Aonde quer que vás, irá contigo
Meu corpo, mais que um corpo, irá um'alma,
Sabendo embora ser perdido intento
O de cingir-te forte de tal modo
Que, desde então se misturando as partes,
Resultaria o mais perfeito andrógino
Nunca citado em lendas e cimélios
Amor meu, punhal meu, fera miragem
Consubstanciada em vulto feminino,
Por que não me libertas do teu jugo,
Por que não me convertes em rochedo,
Por que não me eliminas do sistema
Dos humanos prostrados, miseráveis,
Por que preferes doer-me como chaga
E fazer dessa chaga meu prazer?



A Um Ausente (Carlos Drummond de Andrade)

Tenho razão de sentir saudade,
tenho razão de te acusar.
Houve um pacto implícito que rompeste
e sem te despedires foste embora.
Detonaste o pacto.
Detonaste a vida geral, a comum aquiescência
de viver e explorar os rumos de obscuridade
sem prazo sem consulta sem provocação
até o limite das folhas caídas na hora de cair.
Antecipaste a hora.
Teu ponteiro enloqueceu, enloquecendo nossas horas.
Que poderias ter feito de mais grave
do que o ato sem continuação, o ato em si,
o ato que não ousamos nem sabemos ousar
porque depois dele não há nada?
Tenho razão para sentir saudade de ti,
de nossa convivência em falas camaradas,
simples apertar de mãos, nem isso, voz
modulando sílabas conhecidas e banais
que eram sempre certeza e segurança.
Sim, tenho saudades.
Sim, acuso-te porque fizeste
o não previsto nas leis da amizade e da natureza
nem nos deixaste sequer o direito de indagar
porque o fizeste, porque te foste.



Inconfesso Desejo (Carlos Drummond de Andrade)

Queria ter coragem
Para falar deste segredo
Queria poder declarar ao mundo
Este amor
Não me falta vontade
Não me falta desejo
Você é minha vontade
Meu maior desejo
Queria poder gritar
Esta loucura saudável
Que é estar em teus braços
Perdido pelos teus beijos
Sentindo-me louco de desejo
Queria recitar versos
Cantar aos quatros ventos
As palavras que brotam
Você é a inspiração
Minha motivação
Queria falar dos sonhos
Dizer os meus secretos desejos
Que é largar tudo
Para viver com você
Este inconfesso desejo



A Verdade (Carlos Drummond de Andrade)

A porta da verdade estava aberta,
Mas só deixava passar
Meia pessoa de cada vez.
Assim não era possível atingir toda a verdade,
Porque a meia pessoa que entrava
Só trazia o perfil de meia verdade,
E a sua segunda metade
Voltava igualmente com meios perfis
E os meios perfis não coincidiam verdade...
Arrebentaram a porta.
Derrubaram a porta,
Chegaram ao lugar luminoso
Onde a verdade esplendia seus fogos.
Era dividida em metades
Diferentes uma da outra.
Chegou-se a discutir qual
a metade mais bela.
Nenhuma das duas era totalmente bela
E carecia optar.
Cada um optou conforme
Seu capricho,
sua ilusão,
sua miopia.



As Sem-razões do Amor (Carlos Drummond de Andrade)

Eu te amo porque te amo.
Não precisas ser amante,
e nem sempre sabes sê-lo.
Eu te amo porque te amo.
Amor é estado de graça
e com amor não se paga.
Amor é dado de graça,
é semeado no vento,
na cachoeira, no eclipse.
Amor foge a dicionários
e a regulamentos vários.
Eu te amo porque não amo
bastante ou demais a mim.
Porque amor não se troca,
não se conjuga nem se ama.
Porque amor é amor a nada,
feliz e forte em si mesmo.
Amor é primo da morte,
e da morte vencedor,
por mais que o matem (e matam)
a cada instante de amor.



Ausência (Carlos Drummond de Andrade)

Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência, essa ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.

Os Ombros Suportam o Mundo (Drummond)

Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.
Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.
Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.

Quadrilha (Carlos Drummond de Andrade)

João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava
Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi para os Estados Unidos,
Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre,
Maria ficou pra tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história.



A Língua Lambe (Carlos Drummond de Andrade)

A língua lambe as pétalas vermelhas
da rosa pluriaberta; a língua lavra
certo oculto botão, e vai tecendo
lépidas variações de leves ritmos.
E lambe, lambilonga, lambilenta,
a licorina gruta cabeluda,
e, quanto mais lambente, mais ativa,
atinge o céu do céu, entre gemidos,
entre gritos, balidos e rugidos
de leões na floresta, enfurecidos




Para Sempre (Drummond)

Por que Deus permite
que as mães vão-se embora?
Mãe não tem limite,
é tempo sem hora,
luz que não apaga
quando sopra o vento
e chuva desaba,
veludo escondido
na pele enrugada,
água pura, ar puro,
puro pensamento.
Morrer acontece
com o que é breve e passa
sem deixar vestígio.
Mãe, na sua graça,
é eternidade.
Por que Deus se lembra
- mistério profundo -
de tirá-la um dia?
Fosse eu Rei do Mundo,
baixava uma lei:
Mãe não morre nunca,
mãe ficará sempre
junto de seu filho
e ele, velho embora,
será pequenino
feito grão de milho.



Fazenda (Drummond)

Vejo o Retiro: suspiro
no vale fundo.
O Retiro ficava longe
do oceanomundo.
Ninguém sabia da Rússia
com sua foice.
A morte escolhia a forma
breve de um coice.
Mulher, abundavam negras
socando milho.
Rês morta, urubus rasantes,
logo em concílio.
O amor das éguas rinchava
no azul do pasto.
E criação e gente, em liga,
tudo era casto..


O POEMA MAIS FAMOSOS DE DRUMMOND

José (Carlk

E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?

Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?

E agora, José?
Sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio – e agora?

Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?

Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse...
Mas você não morre,
você é duro, José!

Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José!
José, para onde?

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