segunda-feira, 23 de maio de 2022

ENTREVISTA

"PUREZA" NA DISPUTA PELO OSCAR 2023
Diretor Renato Barbieri respondeu a entrevista do blog DIVIRTA-CE e confirmou: "Vamos, sim, trabalhar para que o filme concorra ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro pelo Brasil"
Cineasta formado em psicologia pela PUC/SP (1986), Renato Barbieri começou na área do audiovisual na produtora Olhar Eletrônico, fundada em 1983, ao lado de Fernando Meirelles, Paulo Morelli, Marcelo Tas, Toniko Melo, entre outros. Dirigiu curtas e programas de TV, e em 1992, fundou a própria produtora, Gaya Filmes, e passou a se dedicar aos documentários, dos quais se destacam A Invenção de Brasília (2001), Atlântico Negro: Na Rota dos Orixás (1998) e Moçambique (1996). Realizou também cinebiografias, como a do escritor Monteiro Lobato e a do cartunista Mauricio de Sousa. Com o longa As Vidas de Maria (2005) fez sua estreia na ficção. Ganhou mais de 30 prêmios nacionais e internacionais, dentre os quais: Melhor Filme e Melhor Direção no Catarina Festival de Documentários, Santa Catarina, 2003; Prix Jeunesse International, Paris, 2001, e Pierre Verger de Excelência pela Associação Brasileira de Antropologia, 2000, ele acaba de lançar o filme "Pureza", em cartaz nos cinemas brasileiros desde a semana. O filme conta a história real de uma mãe que busca o filho, vítima de escravidão. A história da heroína brasileira Pureza Lopes Loyola, vivida por Dira Paes, é emocionante. Elogiado pela crítica, "Pureza" foi apontado como forte concorrente para receber uma indicação ao Oscar de melhor filme estrangeiro em 2023, e o diretor afirmou em entrevista para o blog DIVIRTA-CE que fará campanha para indicação do filme, além de outros assuntos. Leia a entevista.

POR FELIPE PALHANO

DIVIRTA-CE - Como você chegou até a Pureza e sua história de combate a escravidão no Brasil? Como foi o processo de criação do roteiro e do filme? O que é ficção e realidade? O que ficou de fora do filme, que você gostaria de ter colocado?
RENATO BARBIERI - A história me foi apresentada pelo fotógrafo Hugo Santarém, de Brasília. Estava buscando uma história universal para fazer meu segundo longa de ficção e ele me apresentou essa ideia original que, quando li, pensei: é exatamente o que estava buscando! Então, passei a fazer embaixadas junto ao então arcebispo de Belém, Dom Orani Tempesta, para conseguir o contato do Padre Flávio Lazzarin, da CPT, grande aliado de Dona Pureza, para finalmente chegar até ela e pedir autorização para realizar uma obra cinematográfica ficcional inspirada em sua jornada heróica abolicionista. Isso foi em 2007. Em dezembro daquele ano, fui para Bacabal, no coração do Maranhão, junto com o cineasta Paulo Morelli, que assina Produção Executiva, para dar início ao longo processo de elaboração do roteiro, que é “livremente inspirado” na jornada de Dona Pureza. Ao longo dos anos, entrevistei dezenas de trabalhadores rurais que haviam sido escravizados no interior da Amazonia e, também, ex-gatos e abolicionistas históricos de diferentes organizações de defesa dos direitos humanos. 100% do que está no filme é tirado da realidade. Não há fantasia e, por isso, escuto de pessoas que vivem ou viveram a escravidão “de dentro” que o filme Pureza parece um documentário, de tão ancorado no real que é. Nada do que considero relevante e essencial ficou de fora: realizamos o filme que desejamos realizar, nem mais nem menos.

DIVIRTA-CE - Como foi o envolvimento entre os atores e as pessoas que realmente foram escravizadas e participam do filme? Desde o princípio você pensou em Dira Paes para o papel de protagonista? Há uma campanha de "Pureza" para o Oscar?
RENATO BARBIERI - Criamos um processo interativo entre atores/atrizes profissionais e trabalhadores rurais reais que haviam sido escravizados. Essa interação foi definitiva para carregar as cenas de consistência e verdade. Já com os primeiros tratamentos de roteiros escritos, surgiu a necessidade de saber quem viveria Pureza nas telas. A primeira pessoa que surgiu em minha tela mental foi a Dira, com quem já havia trabalhado na narração de meu documentário Na Corda do Círio. Moro em Brasília, marquei um encontro com a Dira e fui pra o Rio de Janeiro fazer o convite pessoalmente. Ela topou na hora e hoje considera que não foi propriamente um convite, mas, sim, uma convocação. Deu no que deu: Dira encarna Dona Pureza de forma impactante! Vamos, sim, trabalhar para que o filme concorra ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro pelo Brasil. Pra isso temos bons motivos: é um filme de relevância social e ambiental com grandes valores de produção cinematográfica e que impacta e emociona as pessoas. Sabemos que esses atributos são sensíveis à Academia de Hollywood e consideramos que em termos de visibilidade mundial fará muito bem ao Cinema Brasileiro, como um todo, receber seu primeiro Oscar. 

DIVIRTA-CE - Atualmente você está em fase de lançamento dos longas "Pureza" e do documentário "Servidão", ambos sobre o trabalho escravo contemporâneo no Brasil. O que mais te surpreendeu com o tema em seu trabalho de pesquisa? Como será esse documentário e quando poderá ser visto?
RENATO BARBIERI - Sou documentarista convicto desde 1985 e, em paralelo ao processo de feitura do Pureza, realizei o documentário Servidão, sobre a tradição secular da mentalidade escravagista em nosso país com foco no trabalho escravo contemporâneo na Amazônia. Filmei Servidão um ano antes de Pureza, em 2017, e o documentário deu importantíssimos subsídios para o roteiro de Pureza, trazendo ainda mais realismo dramático a este. Adorei o formato e em meus próximos filmes de ficção tenho o desejo de junto fazer o respectivo documentário. Isso porque meu Cinema Social não abre mão do Real e, nisso, penso o documentário como uma peça essencial para retroalimentar a ficção. Se tudo der certo, vamos lançar Servidão em outubro ou novembro desse ano.

DIVIRTA-CE - Você é diretor de criação da GAYA Filmes, sediada em Brasília. Como diretor, produtor e roteirista, realiza filmes de longa-metragem e séries para TV nos formatos ficção, documentário e animação, sempre se preocupa em focar produtos audiovisuais de relevância social e ambiental. Qual a importância do cinema nacional na criação de uma consciência cultural e histórica do país? Como você analisa a atual situação do mercado audiovisual brasileiro?
RENATO BARBIERI - A GAYA Filmes é 100% dedicada a filmes de relevância social, ambiental e cultural. Trabalhamos com um amplo e dedicado corpo de pesquisadores/as, roteiristas e consultores, tendo como foco urgências do mundo. É o caso do trabalho escravo contemporâneo. Quem é escravizado tem pressa. Quem tem fome tem pressa. O nosso mundo hoje é cheio de urgências e, por isso, aposentamos todos os nossos projetos que seriam “arte como requinte do Espírito”. A Vida no planeta terra está em jogo e não podemos nos dar ao luxo de jogar para as próximas gerações a transmutação da necropolitica. Esse desafio é da nossa geração! Daqui a apenas uma década, em 2032, poderá ser jogo jogado e o que entregarmos às próximas gerações determinará os próximos 200 anos pelo menos. Nossos descendentes próximos não gostarão nada de saber que nós não fizemos as mudanças essencial que precisam ser feitas antes que seja tarde demais. Não podemos nos dar ao luxo de simplesmente empurrar com a barriga. Isso seria covarde de nossa parte e as próximas gerações irão julgar implacavelmente o nosso tempo. E, nesse sentido, o Cinema Social tem um papel de grande relevância na sensibilização e mudança de mentalidade em larga escala para que consigamos “virar a chave” e superar a rota de destruição em massa que a Civilização está louca e irresponsavelmente acelerando. O Capital financeiro tem de participar desse esforço. O grande Capital e, mesmo, a Netflix, não podem achar que poderão ficar de fora desse grande esforço mundial de cura do nosso planeta, o único “planeta vivo” do Cosmos conhecido. Para o fortalecimento do Cinema Social no Brasil, devemos incentivar e incrementar as políticas públicas de fomento à produção e distribuição, mas também criar canais para que o grande Capital se engaje nessa luta transformadora em Defesa da Vida. 

DIVIRTA-CE - Você ainda é sócio-fundador e ex-diretor da CONNE – Conexão Audiovisual Centro Oeste, Norte e Nordeste, e prepara o telefilme "Ventos que Sopram", sobre a cena musical no estado do Pará, e a série para TV "Consciência³". Fale sobre esse e outros projetos que estão em andamento, e da importância de "Pureza" na sua carreira. Qual a característica que diferencia o cinema nesses estados do CONNE para o resto do país?
RENATO BARBIERI - Todos esses projetos que você se refere estão no âmbito de desenvolver projetos de relevância. Estamos lançando pela GAYA Filmes, depois do Pureza, mais 3 longas doc em um ano: o Servidão, do q já falei acima; Tesouro Natterer, sobre o viajante naturalista austríaco Johann Natterer, que integrou a comitiva da Arquiduquesa Leopoldina, 200 anos atrás, e coletou o maior acervo etnográfico brasileiro que se tem notícia; e De Longe Toda Serra é Azul, longa dirigido por Neto Borges sobre a história do indigenismo contemporâneo a partir da adaptação do livro homônimo do sertanista Fernando Schiavini. Temos novos projetos em desenvolvimento na investigação da consciência, do Brasil Profundo, projetos a racistas e uma vertente de produtos audiovisuais voltados para a infância e a formação de cidadãos do mundo. Sou sócio-fundador e fui diretor da CONNE - Conexão Audiovisual Centro Oeste, Norte e Nordeste e me identifico muito com esse cinema de investigação e expressão do Brasil Profundo, um cinema produzido no âmbito da CONNE.

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