sexta-feira, 15 de abril de 2022

ENTREVISTA

CINEMA CRIATIVO E SOCIAL DE LÁZARO RAMOS
Ator estreia como cineasta com "Medida Provisória" e fala sobre o filme e a carreira em entrevista para o blog DIVIRTA-CE
Ator, apresentador, escritor e agora cineasta: a enorme lista de talentos de Lázaro Ramos se reflete no filme “Medida Provisória”, estreia dele como diretor, filmado em 2019, com Taís Araújo, Seu Jorge e Alfred Enoch, Renata Sorrah, Adriana Esteves, Mariana Xavier, Flavio Bauraqui, Pablo Sanábio e Emicida, entre outros, e que está semana chegou aos cinemas de todo o Brasil. Em Fortaleza o filme foi lançado na quarta com a presença de Lázaro e parte do elenco, no Cineteatro São Luiz.
A trama se passa num Brasil surreal (ainda mais do que é hoje!) em que uma inciativa de reparação pelo passado escravocrata provoca uma reação no Congresso Nacional, que aprova uma medida provisória que tenta enviar todos os negros do país para o continente africano. 
Em entrevista para Felipe Muniz Palhano, Lázaro Ramos fala sobre o filme, o começo da carreira, a saída da Globo e os novos projetos na Amazon, a vida de escritor e outros temas. Confira!
DIVIRTA-CE - Como foi a experiência de dirigir seu primeiro filme com esse tema tão atual e relevante do racismo como foco central de uma história criativa e intrigante? Como foi o processo de criação do "Medida Provisória", desde o começo? Como surgiu a ideia, a história do novo filme?
LÁZARO RAMOS - Para mim o foco central do filme é sobre três pessoas que sonham, formando uma família muito afetuosa entre si, da qual a gente quer fazer parte, que tem esse afeto, sua existência e seus sonhos interrompidos. Disfarçada de benesse, a medida provisória provoca a expulsão de brasileiros do país. Eu gosto de falar sobre esse filme assim, porque o processo de criação dele foi assim, por encontrar camadas nesse filme que conta a história de pessoas negras. Tanto é que tudo nele tem isso como inspiração. Da cenografia, passando pelo música, a escolha do elenco, com 77 atores e atrizes, cada um com uma profissão, uma opinião e uma atitude diante da medida provisória que provoca essa expulsão. A história surgiu no teatro, com o espetáculo "Namíbia, não", do Aldri Anunciação, no espetáculo feito por ele e o Flávio Bauraqui. Eu dirigi essa peça e tive de dirigir o filme também. Acho que essa é a contribuição do "Medida Provisória": trazer para um momento como esse a discussão sobre a formação da nossa identidade e sobre a luta anti-racista.

DIVIRTA-CE - Aos 12 anos, em 1988, você fez uma participação na peça A Bruxinha Que Era Boa, de Maria Clara Machado, em teatro itinerante que estava em Salvador, substituindo seu primo. Foi aos 15 anos que você decidiu ser ator, entrando, em 1994, para o Bando de Teatro Olodum, atuando na peça Bai, Bai Pelô? No meio desse tempo, pensou em fazer outra coisa da vida? Como foi esse período inicial no teatro? 
LÁZARO RAMOS- Na verdade eu nunca achei que eu faria teatro profissionalmente. Quando eu pisei no palco pela primeira vez eu nunca tinha assistido uma peça de teatro, eu não sabia o que era aquilo. E depois tive uma sensação especial de entender que aquele lugar era meu, mas eu achava que era apenas para o lazer. Eu não sabia que dava para fazer uma carreira, fazer cinema, televisão. Até virar apresentador eventualmente, como outras coisas que aconteceram comigo. E esse período inicial do teatro foi sempre de muita paixão e muitas descobertas, de muito aprendizado. Quando eu entrei no Bando de Teatro Olodum, isso se intensificou, deu propósito a essa profissão. E durante esse tempo todo, até os meus 18 anos de idade, que é quando eu saio de Salvador, eu tinha outra profissão. Eu tenho na verdade, sou técnico em patologia, eu trabalhava em hospital. Saia 5h30 de casa, chegava no hospital, no interior da Bahia, trabalhava de 7h as 17h30 e de noite eu fazia teatro. Eu considero tudo que aconteceu na minha vida daí pra diante foi uma sobremesa que a vida me deu (risos).
DIVIRTA-CE - Antes de estrear na TV, você já estava fazendo cinema, como "Sabor da Paixão" com Murilo Benício e Penélope Cruz, "O Homem que Copiava", "Cafundó", "Nina". O audiovisual sempre te fascinou? Você já afirmou em entrevistas que não queria ter assumido a direção de "Medida Provisória", seu novo filme, e gostaria de ter feito algum personagem. Gostou da experiência como diretor? Qual a parte mais difícil no trabalho de direção? Tem projeto para outro filme, ou dificilmente iria dirigir um longa novamente?
LÁZARO RAMOS - Cinema sempre me fascinou como espectador. Na minha adolescência existia uma cinema do lado da minha escola chamado Arte 1. Na época a gente pagava um ingresso e assistia mais de uma sessão. Esse era o meu lazer, mas como espectador. Nunca nem sonhei estar naquela tela. Ouando o cinema entrou para mim eu percebi que tinha um espaço para um ator com as minhas características. E a vida vai me trazendo sempre essas oportunidades, desafios e que agora eu entendo que preciso estar atento a isso. Como pro exemplo, a direção do "Medida Provisória" que eu queria que outra pessoa fizesse, e agora eu acho que a decisão acertada foi eu dirigir, porque eu tinha uma opinião sobre esse trabalho, sobre o jeito de contar essa história. Eu gostei muito da experiência como diretor. Hoje eu assumo que sou diretor também. Já dirigi mais um longa metragem, que é um musical para jovens, protagonizado pelo Gabis e o Lucas Neto, tem a Iza também como atriz e vai estrear no ano que vem. A ideia é essa, levar a carreira como diretor e como ator porque são dois lugares de muito prazer.

DIVIRTA-CE - Além de ator, diretor, cineasta e produtor, você é autor de livros infantis que abordam com sensibilidade temas interessantes. Seus filhos são referências ou incentivos nessa iniciativa? Você tem mais de meio milhão de obras vendidas. Tem algum novo projeto para a literatura adulta?
LÁZARO RAMOS - Pois é, como são as coisas... A literatura também veio desta mesma maneira, porque alguns assuntos eu achei que eram importantes conversar com as crianças, desde o dicionário de palavras inventadas, que se chama "Caderno Sem Rimas da Maria", descrevendo minha relação com minha filha, a partir de conversas com ela, ou outro dicionário de rimas, explicando coisas do mundo a partir de conversas com João Vicente, meu filho. Eles sempre são inspiração para mim. Depois dessas primeiras investidas na literatura, eu comecei a ser convidado para projetos, como o "Sinto o que sinto" que é feito em parceria com o Mundo Bita e o "Pulo do Coelho" que foi meu segundo projeto da Editora Carochinha. A literatura não sai mais de mim. Esse ano eu estou lançando o "Diário do diretor - Medida Provisória", que é um livro pequeno e de uma edição bem curtinha, contando o processo criativo do filme. No segundo semestre eu lanço meu primeiro livro de adolescentes, "Você não é invisível". O novo livro para adultos está sendo trabalhado e eu espero conseguir lançar ele ano que vem.

DIVIRTA-CE - Você fez diversos trabalhos no Grupo Globo atuando e também apresentou o programa "Espelho" durante 17 anos, e agora assinou contrato de 3 anos com a Amazon Prime Vídeo. O que você mais vai sentir falta da Globo? Descartaria fazer novos trabalhos na emissora neste momento ou no futuro? Gosta do trabalho de apresentador e entrevistador?
LÁZARO RAMOS - Os projetos para a Amazon passam por um processo de guardar informações. É característica da empresa e eu não posso falar muito sobre eles. Eu posso comentar sobre esse filme para adolescentes que acabei de dirigir, e dizer que eu agora estou participando como showrunning de uma série que será feita no ano que vem. Foi uma das decisões mais difíceis da minha vida, sair da Globo, empresa que me acolheu durante 18 anos, o lugar onde nasceu o programa Espelho, da Globosat, no Canal Brasil, que foi onde eu desenvolvi a minha voz, onde eu aprendi muito com cada entrevistado que passou pelo projeto ao longo de 17 anos, o programa mais longevo da história da TV por assinatura. A Globo e eu poderemos ter parcerias no futuro e provavelmente teremos, porque é um lugar onde deixei muitos amigos, parceiros profissionais. O que acontece é que eu fui virando outra pessoa, me transformei em outro profissional, que queria também dirigir, atuar, opinar, ter o desafio das tarefas executivas também, e a Prime Video também me convidou para executar isso, pensando numa linguagem, compreendendo a voz que eu tenho e numa função nova. Hoje em dia eu não sei mais descrever que tipo de profissional eu sou. Eu tenho prazer em fazer de tudo, apresentando, dirigindo, atuando. Eu acho que os assuntos que me guiam, entender onde eu posso ser mais útil em cada assunto, e espero continuar levando minha profissão assim. Essa profissão que está na minha vida desde quando eu tenho dez anos de idade, primeiro de forma amadora e depois profissional. E agora com 43 anos de idade estou indo para 33 anos vivendo nesse lugar que é de cura também, que é trabalhar com arte.

Nenhum comentário: