segunda-feira, 14 de abril de 2025

ENTREVISTA: Desafios, oportunidades e o futuro da Medicina Endocanabinoide

A médica Amanda Medeiros Dias fala sobre a aprovação pelo STJ da produção de cânhamo medicinal no Brasil

Recentemente, o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) aprovou a autorização para o cultivo de cânhamo no Brasil, um marco significativo no avanço da cannabis medicinal. Com a regulamentação da Anvisa, o Brasil caminha para uma nova era na produção e no uso de produtos à base de cannabis, não apenas no setor medicinal, mas também em várias outras indústrias. Para entender as implicações dessa mudança, conversamos com a Dra. Amanda Medeiros Dias, médica especializada em Medicina Endocanabinoide. Ela nos contou sobre os desafios, as oportunidades e o impacto que esse avanço pode ter no mercado, na saúde e na sustentabilidade.
A regulamentação da produção de cânhamo no Brasil é um passo fundamental para o avanço do setor de cannabis medicinal e outros mercados sustentáveis. Com a expertise de profissionais como Dra. Amanda Medeiros Dias, o Brasil tem a chance de se destacar como um polo global de inovação, com impactos positivos para a saúde, a indústria e o meio ambiente.

DIVIRTA-CE - Com a recente aprovação do cultivo de cânhamo medicinal no Brasil, quais você considera que são os maiores desafios e oportunidades que surgem para o país, especialmente no contexto de regulamentação que está por vir?
DRA. AMANDA MEDEIROS - O maior desafio será garantir que todos os tipos de produtores, sejam pequenos, médios ou grandes, tenham as mesmas oportunidades. O cânhamo é um produto da natureza, sem patente, e por isso é uma grande oportunidade de desenvolvimento para o Brasil. A regulamentação precisa englobar todos os produtores rurais, e não apenas as grandes farmacêuticas. Isso pode ser um motor de crescimento e enriquecimento para o país, especialmente se conseguirmos permitir que esses produtores se estabeleçam de maneira equitativa.
DIVIRTA-CE - Sabemos que o Brasil tem um número crescente de pacientes utilizando cannabis para tratamento, mas a produção local de insumos ainda não é permitida. Como você acredita que a regulamentação da Anvisa pode impactar a oferta de produtos e a redução dos custos para os pacientes?
DRA. AMANDA MEDEIROS - A produção local de insumos já ocorre de forma limitada, principalmente por meio de associações como a Abrace, na Paraíba, que tem 30 mil associados e cultiva cânhamo sob uma liminar judicial. Quando a regulamentação entrar em vigor, acredito que associações como a Abrace serão ainda mais comuns, e isso facilitará o acesso aos produtos e reduzirá os custos para os pacientes. A produção local ajudará a tornar os medicamentos mais acessíveis e a ampliar a oferta.

DIVIRTA-CE - Você mencionou a versatilidade do cânhamo em diversos setores. Como essa regulamentação poderia beneficiar não só a área medicinal, mas também outros segmentos industriais, como o de biocombustíveis e materiais sustentáveis?
DRA. AMANDA MEDEIROS - O cânhamo tem uma versatilidade impressionante. Além de ser usado na medicina, suas fibras podem ser empregadas na produção de roupas, materiais de construção e até biocombustíveis. Com a regulamentação, podemos substituir o plástico por cânhamo em diversos produtos e até mesmo produzir concreto ecológico para construção. Essa é uma verdadeira revolução verde que pode transformar não apenas a saúde, mas também diversas indústrias e o mercado sustentável no Brasil.

DIVIRTA-CE - Com o aumento de empresas entrando no mercado de cannabis, quais estratégias você acredita que seriam fundamentais para garantir que a produção de medicamentos à base de cannabis no Brasil seja tanto eficiente quanto de alta qualidade?
DRA. AMANDA MEDEIROS - A fiscalização rigorosa da Anvisa será essencial. Além disso, as empresas precisam garantir padrões de qualidade consistentes e seguir protocolos de produção certificados. A transparência na cadeia produtiva também é fundamental. Como a cannabis ainda carrega um certo estigma, é importante que a produção seja bem regulamentada, para que a população confie na qualidade e na segurança desses medicamentos.

DIVIRTA-CE - A cannabis ainda carrega um estigma significativo no Brasil. Como você acredita que o campo da medicina endocanabinoide pode ajudar a transformar a percepção pública e aumentar a aceitação do uso de cannabis para tratamentos médicos?
DRA. AMANDA MEDEIROS - A educação é a chave para mudar essa percepção. Precisamos incluir a medicina endocanabinoide nas universidades e em todos os cursos da área da saúde. Quando mais médicos e profissionais de saúde compreenderem o potencial terapêutico da cannabis e seus benefícios comprovados, a aceitação será naturalmente maior. O campo da medicina endocanabinoide pode ajudar a desmistificar o uso de cannabis e garantir que as pessoas vejam essa opção como uma alternativa legítima e eficaz no tratamento de diversas condições.

DIVIRTA-CE - Na sua experiência como médica endocanabinoide, quais são os principais desafios que você encontra ao prescrever tratamentos com cannabis, especialmente considerando as regulamentações e a disponibilidade limitada de produtos produzidos localmente?
DRA. AMANDA MEDEIROS - O principal desafio é o preconceito de outros médicos, que ainda desestimulam os pacientes a buscarem o tratamento por falta de conhecimento. Além disso, a disponibilidade limitada de produtos nacionais também dificulta o acesso. Quando a regulamentação estiver em vigor, e a produção nacional for ampliada, isso facilitará muito o trabalho dos profissionais de saúde e ajudará os pacientes a encontrar soluções terapêuticas mais eficazes e acessíveis.

DIVIRTA-CE - Com a previsão de mais empresas entrando no mercado e a crescente acessibilidade dos produtos, como você vê a relação entre os pacientes, as associações de pacientes e as empresas que oferecem esses tratamentos? Há algum risco em termos de qualidade e confiabilidade dos produtos?
DRA. AMANDA MEDEIROS - É crucial que a Anvisa desenvolva mecanismos eficazes de fiscalização e controle de qualidade para garantir que os produtos sejam seguros e eficazes. As associações de pacientes desempenham um papel importante na educação e no apoio aos pacientes, mas também precisamos garantir que as empresas sigam padrões elevados de produção. O risco de produtos de baixa qualidade sempre existirá em mercados em crescimento, mas com a regulamentação adequada, isso pode ser minimizado.

DIVIRTA-CE - A regulamentação para a produção de cânhamo no Brasil pode representar um avanço significativo no setor. Quais seriam os passos essenciais para garantir que o país tenha uma produção segura e sustentável, sem comprometer os padrões de qualidade exigidos para medicamentos?
DRA. AMANDA MEDEIROS - O primeiro passo é garantir que todos os produtos sejam testados em laboratórios certificados, e que a qualidade seja garantida em cada etapa da produção. Também precisamos criar políticas de incentivo à produção sustentável, que respeitem o meio ambiente e a saúde dos trabalhadores envolvidos no cultivo. A regulamentação deve ser abrangente e garantir que a produção seja tanto segura quanto ecológica, para que o Brasil se torne um exemplo global de produção responsável e sustentável.

DIVIRTA-CE - Você tem uma vasta experiência tratando pacientes com cannabis medicinal. Que benefícios você observa em pacientes, especialmente crianças e adolescentes, ao utilizarem tratamentos baseados em canabinoides em comparação com terapias convencionais?
DRA. AMANDA MEDEIROS - Tenho observado melhorias significativas em comportamentos ansiosos, qualidade do sono, apetite e comunicação, especialmente em crianças e adolescentes. Muitos desses pacientes estavam com dificuldades para responder a tratamentos convencionais, e a cannabis medicinal tem sido uma alternativa muito eficaz. Além disso, os efeitos colaterais são muito menores quando comparados a outros medicamentos, o que torna a cannabis uma opção muito mais segura para muitos pacientes.

DIVIRTA-CE - Com o Brasil caminhando para uma regulamentação mais ampla do cultivo de cânhamo, como você acredita que o país pode se destacar no mercado global de cannabis medicinal nos próximos anos, especialmente no que diz respeito à inovação e ao potencial de exportação?
DRA. AMANDA MEDEIROS - O Brasil tem um enorme potencial para se destacar no mercado global de cannabis medicinal. Temos terra fértil, uma grande população e muita mão de obra qualificada. Se conseguirmos desenvolver uma produção local eficiente e sustentável, o Brasil poderá se tornar um líder no fornecimento de produtos de alta qualidade para o mercado internacional. A inovação será a chave, especialmente na criação de novos tratamentos e produtos que atendam a uma demanda crescente no mundo todo.

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