ENTREVISTA: Livro revela a origem dos ditados populares

Escritor Helder de Moura convoca a pensarmos na língua brasileira e diverte com seu "Balaio de Gato"

Você já se perguntou qual é a origem dos ditados populares que fazem parte do nosso cotidiano? O escritor e pesquisador cearense Helder Ferreira de Moura pegou essa missão para si e desvendou 750 dessas expressões em seu livro recém lançado, o “Balaio de Gato”. A escrita de Helder é cativante, o autor compartilha uma coleção de causos deliciosos enquanto explora as origens e significados por trás de alguns dos ditados mais icônicos da cultura cearense e brasileira, como “Morreu Maria Préa”, “Costurar pra fora” ou palavras como “Bizú” e “Baderna”.

O autor conduz os leitores por uma rica jornada através da sabedoria popular, onde mistura pesquisa e narrativa. “Passei a vida ouvindo minha mãe usar esses ditos populares para nos ensinar sobre a vida, a sabedoria do sertanejo nasceu da oralidade.” Diz ele. Um grande diferencial de “Balaio de gato” é que conhecemos a raiz das palavras e como ela começou a fazer parte do contexto cultural e histórico do cearense e do brasileiro. 

"O Balaio não é apenas uma coleção de histórias engraçadas e interessantes, é  uma oportunidade para os leitores explorarem a riqueza da tradição oral brasileira", comenta o autor. "Ao revelar as origens desses ditados, espero entreter e inspirar uma reflexão sobre a sabedoria transmitida ao longo das gerações." "Balaio de Gato" é um convite para todos os amantes da cultura e da língua, uma verdadeira contribuição para a difusão desta tradição.

DIVIRTA-CE - O que o inspirou a escrever Balaio de Gato e como surgiu o interesse por pesquisar as origens dos ditados populares?

HELDER DE MOURA - A inspiração para escrever Balaio de Gato vem de uma inquietação pessoal e da curiosidade em entender melhor as expressões populares que fazem parte do nosso cotidiano. Descobrir a origem dessas expressões é, além de prazeroso, enriquecedor, pois carrega um profundo aspecto histórico e humorístico. Também vejo isso como uma forma de resistência cultural, já que, no começo, muitos viam esse tipo de estudo como “Cultura Inútil”, mas com o tempo, muitos se renderam ao valor que essas expressões têm, e se tornaram colaboradores no meu trabalho.

DIVIRTA-CE - Você menciona que cresceu ouvindo ditos populares e causos contados pela sua mãe. Como essas histórias e ensinamentos influenciaram sua escrita e sua visão sobre a cultura nordestina?

HELDER DE MOURA - Minha mãe, Dona Guiomar, sempre foi uma fonte inesgotável de sabedoria popular, criadora de inúmeras expressões que, junto com a vivência no interior, me marcaram profundamente. Ela, assim como toda a população do interior, me proporcionou um contato constante com a oralidade e com a tradição de contar histórias. Esse ambiente influenciou diretamente minha escrita e minha visão sobre a cultura nordestina, me ensinando o valor da sabedoria popular e como ela molda a nossa identidade.

DIVIRTA-CE - No livro, você revela as origens de mais de 700 expressões populares. Como foi o processo de pesquisa para descobrir essas histórias e qual foi o maior desafio durante esse trabalho?

HELDER DE MOURA - A pesquisa para Balaio de Gato envolveu a análise de uma vasta quantidade de fontes, incluindo o trabalho de grandes escritores como Câmara Cascudo, João Ribeiro, Oswald Barroso e Barão de Studart, além de muitas histórias do folclore popular e do sertão. Cada expressão tem um valor inestimável e, ao longo dessa jornada, algumas se destacaram pela sua simpatia e curiosidade, como “Ver o circo pegar fogo” e “Morreu Maria Preá”. O maior desafio foi resgatar e verificar a origem de cada uma dessas expressões, muitas das quais são passadas oralmente e cujas raízes muitas vezes se perdem no tempo.

DIVIRTA-CE - Qual dito popular ou palavra você acha mais curioso?

HELDER DE MOURA - Um dos ditados que mais me fascina é "BG é preservação, utilidade, valorização de costumes, resistência e sabedoria popular". Ele sintetiza bem a essência do meu trabalho: manter viva a oralidade e as tradições de um Brasil real e rico em diversidade cultural. Além disso, essa expressão transmite a ideia de que cada ditado ou palavra tem um papel valioso, não só na nossa comunicação cotidiana, mas também como um elo com a nossa história.

DIVIRTA-CE - Você considera Balaio de Gato como uma forma de preservar e valorizar a sabedoria popular?

HELDER DE MOURA - Sem dúvida, Balaio de Gato é uma forma de preservar e valorizar a sabedoria popular. O livro é um tributo à oralidade, uma maneira de dar continuidade a essas expressões que atravessam gerações e que são essenciais para a formação da identidade cultural brasileira. Ao reunir essas expressões, estou contribuindo para que a sabedoria popular não se perca, mas seja reconhecida e respeitada.

DIVIRTA-CE - De que maneira acredita que a oralidade ainda influencia a cultura atual?

HELDER DE MOURA - A oralidade continua a ser um pilar essencial da cultura brasileira, especialmente nas regiões mais tradicionais, como o Nordeste. Ela influencia diretamente nossa maneira de comunicar, de contar histórias e até de viver. A oralidade preserva valores, resgata memórias e constrói nossa identidade. Apesar do avanço da tecnologia, a oralidade permanece uma maneira genuína e vital de transmissão de cultura, especialmente nas relações familiares, nas rodas de conversa e nas festas populares.

DIVIRTA-CE - Você acha que hoje em dia as palavras continuam em transformação?

HELDER DE MOURA - Com certeza! As palavras estão em constante transformação. A linguagem é dinâmica e está em sintonia com as mudanças sociais, tecnológicas e culturais. O neologismo, por exemplo, surge como uma resposta criativa às novas necessidades de comunicação. Contudo, acredito que esse processo deve ocorrer de forma natural, sem rupturas abruptas, para que a essência das palavras não se perca no caminho. A transformação digital e a globalização representam uma avalanche que pode ameaçar a cultura popular, mas aqueles que valorizam a tradição têm o poder de resistir e preservar o que é essencial.

DIVIRTA-CE - Em sua visão, qual a importância de manter vivas as tradições e os ditados populares em tempos de grande transformação digital e globalização?

HELDER DE MOURA - Manter vivas as tradições e os ditados populares é fundamental para que possamos preservar nossa identidade cultural, especialmente em um momento de tantas mudanças digitais e globalização. As tradições populares carregam uma sabedoria que nos conecta ao nosso passado e nos ensina sobre quem somos. Em tempos de mudanças tão rápidas e globalizadas, é crucial resistir e continuar a valorizar essas expressões, para que não sejamos engolidos por uma cultura globalizada que muitas vezes apaga as singularidades locais.

DIVIRTA-CE - Além de escritor, você também é dentista e pesquisador. Como a sua formação e experiência fora da literatura influenciam o seu trabalho como autor?

HELDER DE MOURA - Minha formação como dentista e pesquisador me ensinou a olhar o mundo de forma analítica e crítica. Essa experiência me ajudou a desenvolver uma abordagem detalhista no processo de pesquisa para o Balaio de Gato. Como dentista, sou habituado a observar o cotidiano e os comportamentos das pessoas com atenção, e isso se reflete na forma como exploro e compreendo a sabedoria popular. Além disso, a experiência como pesquisador me permitiu mergulhar nas fontes e no contexto histórico das expressões de maneira mais aprofundada.

DIVIRTA-CE - O que espera que os leitores levem consigo após ler Balaio de Gato?

HELDER DE MOURA - Espero que os leitores se sintam mais conectados à cultura popular brasileira e que, ao final da leitura, percebam o valor dessas expressões que fazem parte do nosso cotidiano. Desejo que eles reflitam sobre como a oralidade e a sabedoria popular moldam a nossa identidade e sobre a importância de manter viva essa tradição, mesmo em tempos de grandes transformações culturais.

DIVIRTA-CE - Há algo que você deseja que eles reflitam sobre a cultura popular brasileira e a oralidade?

HELDER DE MOURA - Gostaria que os leitores refletissem sobre o papel vital que a oralidade tem em nossa cultura. Ela não é só uma forma de comunicação, é uma maneira de transmitir nossos valores, nossa história e nossa identidade. A oralidade preserva o que é genuíno e essencial, e, por isso, é fundamental que, em tempos de globalização, continuemos a valorizá-la como uma forma de resistência e conexão com nossas raízes.