quarta-feira, 30 de março de 2022

ENTREVISTA: LUIZ FELIPE PONDÉ

"O otimismo virou uma falsa virtude cívica"
Espanto que deu início à filosofia é tema do novo livro de Luiz Felipe Pondé, que concedeu entrevista para o blog DIVIRTA-CE

O espanto diante de uma natureza imensa e complexa e o desencanto diante do indecifrável universo são dois fatores que deram início à filosofia na Grécia antiga. De lá para cá, a humanidade encontrou poucas respostas e ainda busca entender o sentido da própria existência. É com base nesse conflito que o escritor e filósofo Luiz Felipe Pondé acaba de lançar sua mais nova obra, "A filosofia e o mundo contemporâneo: meditações entre o espanto e o desencanto", publicada pela Editora Nacional. 
Segundo Pondé, a obra propõe o exercício de pensar sem ter respostas prontas. “Essa é uma boa metáfora para este livro. Este ângulo é tanto uma condenação a você ficar na condição de um náufrago quanto entender que todo filósofo é um náufrago quanto às certezas que o senso comum tem”, explica o autor.
Luiz Felipe Pondé é doutor em Filosofia pela Universidade de Paris e pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP) e pós-doutor pela Universidade de Tel Aviv. Autor de inúmeros livros, atua como diretor do Laboratório de Política, Comportamento e Mídia da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo, professor da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP), comentarista do Jornal da Cultura e colunista da Folha de S.Paulo. Pondé concedeu entrevista ao Jornal O ESTADO falando sobre o livro, carreira, política, refletindo sobre o Brasil, o mundo e a humanidade. Confiram. 

DIVIRTA-CE - Seu novo livro reúne reflexões sobre desapego, liberalismo, saúde mental, envelhecimento e morte. Como esses assuntos ficaram ligados a história da filosofia neste seu lançamento? Da onde veio a ideia para a nova obra?
LUIZ FELIPE PONDÉ - Essas questões não estão unidas numa síntese única. Por exemplo, o desapego é um tema recorrente na filosofia. Desapegar de bens materiais, desapegar de si mesmo. Liberalismo transita por política, economia. Saúde mental tem a ver com felicidade, sofrimento, assim como envelhecimento e morte. Não são temas ligados uns aos outros. A ideia do livro veio de uma conversa com uma colega da PUC, se a filosofia surgiu do espanto ou do desencanto, que é uma controvérsia sempre na história da filosofia. Quando se fala que a filosofia veio do desencanto até gera um mal estar grande em muitos filósofos.

DIVIRTA-CE - Segundo o release de "A filosofia e o mundo contemporâneo", o livro propõe o exercício de pensar sem ter respostas prontas. Para você, os brasileiros pensam mais em quê atualmente? E o que é necessário para o Brasil "pensar melhor", além de uma educação mais digna e eficiente para todos?
LUIZ FERNANDO PONDÉ - O que é preciso para uma educação mais digna? Isso aí nem 150 mil doutorados resolve. Para começar os professores da rede pública deveriam ganhar muito melhor. Sei lá, uns dez mil reais de piso salarial. E isso não vai acontecer. Isso é um tipo de discussão que acaba sendo uma enorme encheção de linguiça para candidatos políticos falarem bem durante a eleição. A educação necessita que professores ganhem muito bem para atrair muita gente entusiasmada, interessada, e muito dinheiro que tornasse a estrutura toda melhor. O que os brasileiros mais pensam hoje em dia? Em poder comer, em ter comida em casa. Daqui a pouco, muitos vão pensar em eleição. Fora a pandemia, que agora perde força, os brasileiros estão preocupados em ter o que comer. Os brasileiros não tem culpa de não pensar em algo filosófico, mais denso. Primeiro porque não tem repertório, e também porque sem comer, fica difícil pensar em outra coisa.
DIVIRTA-CE - Dos livros que lançou, qual você mais tem orgulho? E a obra que você menos gosta da sua carreira literária?
LUIZ FELIPE PONDÉ - Não sei. Não tem nenhum livro que eu mais me orgulhe. Claro que tem livros que, em algum momento, foram mais significativos para mim ou não. Tem uns livros mais acadêmicos, duros, tem outros para um público mais aberto. Não tem nenhum livro que me orgulhe mais que outros.

DIVIRTA-CE - Seus comentários no "Jornal da Cultura" e em outros veículos de comunicação que você contribui são consideradas pessimistas e muitos identificam que você carrega fortes influências do Friedrich Nietzsche. Se o filósofo alemão vivesse hoje em dia, quais reflexões ele teria, na sua opinião? Você acha que os brasileiros confundem pessimismo com a sua visão realista da vida? Como crítico feroz do governo atual, qualquer presidente que entre no lugar de Jair Bolsonaro seria positivo?
LUIZ FELIPE PONDÉ - O que o Nietzsche falaria? Essas coisas são difíceis, porque são anacrônicas. Nietzsche era alemão, vivia no século 19. Mas tenho minhas suspeitas que ele olharia para o ressentimento, que, para ele, era um contrato social em cima da mediocridade, da inveja do outro. Um contrato social em cima do medo. Com a dificuldade de lidar com a falta de sentido na vida ou a inexistência de Deus. Ele estaria muito atento sobre essa questão do ressentimento. Com relação ao Bolsonaro, se pode piorar, uma das coisas que eu acho esse governo uma catástrofe, é que ele irá devolver a administração para as mãos do PT, que é uma gangue. Isso é muito ruim, a gente sabe como é o PT. Um dos problemas do PT é que ele tem a benção de todos os "inteligentinhos" do Brasil, todo mundo acha fofo. Basta ver todas as manifestações que os artistas fazem. Este governo é tão catastrófico, que no seu portfólio de lixos, está justamente o fato de enfrentarmos uma eleição, voltarmos algumas casas para trás com o Bolsonaro, e agora retrocedemos ainda mais por achar que o PT é solução para o país. Todo mundo sabe que o Partido dos Trabalhadores é uma gangue muito bem organizada. Sei que muitos me consideram pessimista. Do ponto de vista da filosofia, me veem perto de Nietzsche, Schopenhauer, uma percepção um tanto trágica, mas não me vejo como pessimista. Eu acho que existe hoje uma tendência à mentira geral. Todo mundo quer agradar, todo mundo quer engajar seguidores, todos querem patrocinador, todo mundo quer aparecer. O otimismo virou uma falsa virtude cívica. Eu não tenho obrigação de agradar ninguém quando eu falo de qualquer assunto. Essa coisa de dizer que sou pessimista é o que chamamos de "sendo comum" uma coisa banal. Na realidade essa discussão é um pouco mais densa, essa história que sou pessimista é em relação a maioria dos intelectuais que querem agradar o público e eu não estou nem aí para agradar ninguém.
DIVIRTA-CE - Você iniciou a carreira acadêmica cursando medicina na Faculdade de Medicina da Bahia, mas não concluiu o curso. Por que desistiu? O que você aprendeu com a pandemia de Covid 19? A humanidade irá tirar alguma lição do sofrimento causado por essa doença?
LUIZ FELIPE PONDÉ - Eu não fui nenhum pouco pessimista quando falei da pandemia. Eu fiz o curso da Federal da Bahia até o quinto ano. Tive dúvidas durante o curso todo. Não tanto por não gostar das disciplinas, mas quando comecei a ver o dia a dia do médico, percebi que não queria aquilo, não queria trabalhar em hospital. Eu sempre gostei e vim de uma família de médicos que são apaixonados por humanas, inclusive meu próprio filho. Acabei indo para a filosofia porque eu queria discutir questões que tem a ver com as ciências humanas. O que eu aprendi com a pandemia? Primeiro aprendi que a gente nunca deve achar que epidemias virais não acontecerão. Depois aprendi que nunca devemos subestimar as características políticas e a politização de eventos, a priore, não políticos, como a pandemia. Aprendi que devemos prestar atenção no passado, como no caso da gripe espanhola, que teria ajudado a muita gente perceber o que estava acontecendo no seu dia a dia, apesar de sermos bastante ignorantes em relação a História. Percebi de forma muito clara os elementos extra racionais que atuam na ciência e nos cientistas. A pandemia virou um negócio, uma commodity. Se a humanidade irá tirar alguma lição disso tudo? Provavelmente não, né? Não tirou de nenhuma outra pandemia ou epidemia, por que iria tirar dessa? Essa ideia que apareceu no começou do Covid 19 acho que é um narcisismo contemporâneo, de sempre acharmos que a história começou com a gente. Aprendemos a fazer vacina mais rápido, mas do ponto de vista moral, não aprendemos nada. Veja aí, está todo mundo indiferente com o que acontece na África. E continua sendo assim. Toda essa história de que as pessoas estão melhores, isso é marketing barato.
DIVIRTA-CE - Você chegou a afirmar que "sem hipocrisia não há civilização" e "precisamos da falta de caráter como cimento da vida coletiva". Esse pensamento continua latente? A evolução humana é uma utopia, porque da mesma forma que existe um progresso da tecnologia, o ser humano regride em algum aspecto?
LUIZ FELIPE PONDÉ - A civilização precisa de hipocrisia, uma certa dose de mentira, fingimento. Ninguém suporta uma verdade social contínua. A falta de caráter acaba servindo como cimento social. Em negócios, acordos políticos, o convívio com vizinho, você às vezes tem que soltar uma mentira, ou se juntar com um e ir contra o outro. A evolução tecnológica existe, não tem o que discutir, e a evolução humana moral não tem nada a ver com isso. Tivemos inclusive inúmeros exemplos que o avanço técnico existe graças a violência em guerras. A espécie continua a mesma. Agora que ela regrida de alguma forma, não acho. Penso que se o capitalismo quebrasse e gerasse muita pobreza, aí a gente voltava para a pré história, pro neolítico, os homens voltavam a se matar e as mulheres a morrer de parto. Mantendo-se uma mínima ordem e uma certa condição material, não acho que a gente regrida. A gente está regredindo para quem acha que nós evoluímos. Como eu nunca achei isso, então não penso que estamos regredindo.

POR FELIPE PALHANO

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