segunda-feira, 3 de junho de 2013

CINEMA

"'Os Amantes Passageiros' é o filme mais gay que já fiz", diz Almodóvar

Novo filme do cineasta espanhol Pedro Almodovar estreia no UCI Ribeiro Iguatemi
Sendo Almodóvar o mais famoso diretor de cinema da Espanha --autor premiado com o Oscar de dramas como "Fale com Ela" e "Volver", em registros que variam do melancólico ao subversivo ou simplesmente conturbado--, é fácil imaginar sua indignação sendo expressa de maneiras soturnas. Basta pensar em "A Pele que Habito", seu filme mais recente e possivelmente mais assustador. Mas seus planos são outros. "Gosto da ideia de ajudar as pessoas a se divertirem, porque o ambiente está tão, tão árido neste momento", ele diz. E assim o criador de "Abraços Partidos" e "Má Educação" nos oferece seu trabalho mais recente: uma comédia amalucada que acontece num voo transatlântico, repleta de sexo oral nas alturas e comissários de bordo dançando afetadamente. E os resultados das bilheterias na Espanha indicam que Almodóvar avaliou o clima do país perfeitamente; o desempenho do filme em seu fim de semana de lançamento foi o melhor que o diretor já conseguiu. “Os Amantes Passageiros” chega aos cinemas de Fortaleza nessa sexta-feira, e estará em cartaz no UCI Ribeiro Iguatemi.
Primeiro retorno de Almodóvar à comédia pura em 25 anos, desde "Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos", este novo longa-metragem é uma obra de entretenimento kitsch e extravagante que o diretor descreve como "o filme mais gay que já fiz". É também um retorno ao estilo de seus primeiros sucessos, quando ele surgiu no cenário do cinema como criador exuberante de transgressões férteis, divertidas e hedonísticas. 
'Amantes' é todo passado a bordo de um avião cujo destino é o México. Com uma turbulência inesperada, o vôo ganha ares caóticos e hilários, controlado pela tripulação da nave - toda gay.As gags incluem uma clarividente que perde a virgindade ao montar sobre outro passageiro que está dormindo, mas com uma ereção, e as manchas de sêmen deixadas no rosto de um comissário de bordo depois de ele se trancar no banheiro com o comandante.

Mas o filme também pode ser interpretado como metáfora da própria Espanha, quebrada e em recessão. "Eu quis criar uma comédia maluca, uma coisa escapista", diz Almodóvar. "Mas é verdade que há coisas que ecoam o momento atual." Um avião circula sem rumo no céu, com seu trem de pouso danificado, aguardando o sinal para fazer um pouso de emergência. A tripulação e os passageiros da primeira classe afogam as mágoas, confessam seus pecados e fazem sexo movido a mescalina, enquanto os da classe turística dormem um sono induzido por drogas, sem nada saberem.
O próprio Almodóvar se surpreendeu ao ver como as surreais histórias passadas dos personagens principais do filme --entre elas, um banqueiro desonesto que está fugindo do país e uma garota de programa que afirma possuir um vídeo mostrando imagens do rei em situação comprometedora-- encontram eco cada vez maior com notícias que os espanhóis lêem diariamente nos jornais. "Sempre houve a metáfora de uma Espanha que não sabe para onde vai, não sabe onde aterrissar, quem vai estar no comando ou quais serão os perigos", diz o diretor.
Uma das cidades mais entediantes da Espanha, Ciudad Real, fica perto do lugar onde Almodóvar passou sua infância, e nela foi rodada boa parte de "Os Amantes Passageiros" --num aeroporto abandonado que é um dos célebres elefantes brancos arquitetônicos da Espanha, parte das ruínas deixadas por uma década de extravagância, corrupção financeira e ilusões de grandeza política. "Esse aeroporto custou mais de €1 bilhão para ser construído e é completamente inútil", diz o diretor. "Na pista de pouso mais comprida da Espanha, só se vêem alguns coelhos correndo de um lado a outro. Um ministro redigiu uma lista de 17 aeroportos como esse em La Mancha. Eles representam a megalomania e falta de escrúpulos de nossos políticos e financistas nos últimos dez anos."



O aeroporto internacional, que se supunha fosse receber 2 milhões de passageiros por ano, acabou afundando o banco de poupança local. "De alguma maneira, convenceram os manchegos que pessoas de todo o mundo iam querer voar diretamente para o coração de La Mancha", diz Almodóvar. "Mas quem é que quer viajar para lá?"
A jornada do próprio Almodóvar de certa maneira é um reflexo da trajetória de seu país. Ele chegou à cidade grande ainda na adolescência, vivendo uma explosão libertadora após o ambiente claustrofóbico da vida no vilarejo e nas escolas comandadas por padres católicos. E na década de 1980, quando a chamada "movida madrilenha" --um movimento anárquico, farrista, do tipo vale-tudo-- incendiou a vida noturna da capital espanhola, Almodóvar se tornou seu mestre de cerimônias e ícone duradouro. Ele é também um dos poucos produtos culturais verdadeiros do movimento.
Com mais de uma dúzia de filmes de sucesso e dois Oscar, o novo filme de Almodovar pode parecer estranho, principalmente para os que nunca viram um filme do diretor: algumas pessoas que assistirem "Os Amantes Passageiros" podem ter dificuldade em entender as alusões indiretas à crise espanhola, mas terão suas próprias preocupações com o futuro econômico. O elenco conta com Javier Cámara, Lola Dueñas, Cecilia Roth, Blanca Suárez, Antonio de la Torre e ainda com as participações especiais dos seus atores "fetiche": Antonio Banderas, Penélope Cruz, Paz Vega, Carmen Machi e Susi Sánchez

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