"Rudo y Cursi" - O filme síntese do México
Imagine a carga de prestígio internacional de uma produção brasileira sobre futebol que fosse produzida hoje por Walter Salles, Fernando Meirelles e José Padilha, dirigida por Vicente Amorim, com Rodrigo Santoro e Alice Braga encabeçando o elenco. Imaginou? Pois ainda não corresponde ao que significa -em capital de prestígio internacional, frise-se- a comédia dramática mexicana "Rudo y Cursi", que a PlayArte lança diretamente nas locadoras.
O trio dinâmico Alejandro González Iñárritu ("Amores Brutos", "Babel"), Alfonso Cuarón ("E Sua Mãe Também", "Filhos da Esperança") e Guillermo del Toro ("O Labirinto do Fauno") assina a produção. O diretor é Carlos Cuarón, irmão mais novo de Alfonso e roteirista de "E Sua Mãe Também". E o elenco traz Diego Luna ("E Sua Mãe Também", "Milk") e Gael García Bernal ("Diários de Motocicleta", "Ensaio sobre a Cegueira").
Rudo (Luna) e Toto (García Bernal) são irmãos em família de trabalhadores rurais. Ambos defendem um time amador de sua região -o primeiro como goleiro e o segundo, no ataque. Um caçador de talentos (o argentino Guillermo Francella) aparece por lá em dia de jogo e, surpreendido pelo futebol de ambos, mas com a possibilidade de levar apenas um deles para tentar a sorte na capital, deixa que os próprios irmãos decidam qual aproveitará a chance. Começa ali a aventura de Rudo e Cursi (sobrenome da família, que sapecam em Toto) pelos bastidores do futebol mexicano.
Não é, evidentemente, o filme de ficção definitivo que os fãs de futebol ainda aguardam (e talvez aguardem para todo o sempre, dadas as dificuldades naturais de levar as particularidades desse esporte para o cinema). Seus pontos fortes têm a ver justamente com a despretensão, que o leva a tratar de maneira francamente irônica o mundo da bola, incluindo jogadores desmiolados, agentes picaretas, treinadores movidos a propinas para escalar este ou aquele atleta (por assim dizer), torcedores neonazistas, apostas e subornos, carros, mulheres e, por fim, partidas.
Os times de primeira e segunda divisão utilizados pelo filme são ficcionais, com uniformes genéricos de cores exageradas (nem tão distantes da realidade assim, se o parâmetro forem os clubes mexicanos); as torcidas dividem as arquibancadas irmanamente e se comportam como se estivessem em um desenho animado, sacudindo flâmulas e bandeiras seja lá o que estiver ocorrendo. Em campo, não se vê muita coisa: para escapar ao desafio de encenar jogadas, opta-se pelo uso de elipses e da reação do banco e das arquibancadas aos lances. Mas, quando a câmera desce ao gramado, o faz com desenvoltura: Rudo parece mesmo um goleiro brutamontes (daí o apelido) e Cursi lembra atacantes leves como Lenny, ex-Fluminense e hoje no Palmeiras, que explodem muito cedo e depois não jogam nada.
Em um campeonato de filmes de ficção sobre futebol, "Rudo y Cursi" não disputaria o título, mas também não cairia para a Série B. Ficaria, o que cabe muito bem nesse caso, com uma vaga na Copa Sul-Americana.
“Valsa com Bashir” é crônica subjetiva e impressionante
Animação israelense premiada que revisita guerra do Líbano é lançada nas locadoras pela Sony
Vencedora do Globo de Ouro e do César francês como melhor filme estrangeiro, e também indicada ao Oscar de filme estrangeiro em 2009, a animação israelense "Valsa com Bashir" pode ser definida como uma cinebiografia documental em desenho animado. Aliás, de conteúdo bem adulto e dramático, o que deve ter contribuído para que sua censura no país tenha sido definida em 18 anos. O filme foi exibido no Cinema de Arte do Iguatemi e agora chega nas locadoras lançado pela Sony.
O diretor Ari Folman, que participou como soldado da segunda guerra do Líbano, em 1982, examina suas próprias culpas para abordar os problemas da reconstituição da memória dos episódios dramáticos que culminaram no massacre dos campos de Sabra e Chatila, em que teriam morrido 3.000 refugiados palestinos. Embora o massacre, tecnicamente, tenha sido atribuído a falangistas cristãos e libaneses, havia tropas israelenses ocupando aquele país - e sua responsabilidade ou omissão no caso continuam a ser objeto de controvérsia.
O filme, entretanto, não pretende resolvê-la, como explicou Folman na coletiva de imprensa em Cannes, onde o filme concorreu à Palma de Ouro em maio de 2008: "Eu queria um filme direto, abordando um massacre.
Soldados são sempre, como se sabe, peões a serviço de lideranças." E a liderança então era o primeiro-ministro Ariel Sharon, posteriormente condenado por uma comissão governamental por permitir os massacres de civis no Líbano.
O tom procurado por Folman é, claramente, o de uma catarse à qual não falta autocrítica. Ele parte da própria falta de recordações de seu tempo de serviço militar no Líbano, entrevistando antigos companheiros de tropa - que, ao contrário dele, têm sua mente povoada por lembranças e pesadelos. O assustador sonho recorrente de um deles, Boaz, é uma corrida noturna de 26 cães raivosos, dentes à mostra, percorrendo as ruas de Tel Aviv. No sonho, Boaz sabe que eles vieram para matar. Recolhendo peças desse quebra-cabeças perdido nas mentes dos amigos, Folman reconstitui em parte a história de uma vingança. Na época, o presidente libanês e cristão, Bashir Gemayel, fora assassinado. O ataque aos campos de refugiados palestinos teria sido o troco por esta morte.
À custa de ouvir muitos relatos, algumas imagens emergem também da memória de Folman - ele sonha consigo mesmo e outros saindo nus da água, de armas na mão, para entrar num campo iluminado por foguetes sinalizadores. Imagem tétrica, pois justamente uma das suspeitas contra as tropas israelenses foi terem disparado estes foguetes, facilitando a visão dos falangistas para as execuções.
Recorrendo à técnica da rotoscopia, a mesma vista em animações como Waking Life, de Richard Winklater, a partir das filmagens das entrevistas para o filme, Folman cria uma crônica da guerra ao mesmo tempo subjetiva e impressionante. Mas nada mais chocante do que as cenas finais, que mostram imagens reais de Sabra e Chatila.
Imagine a carga de prestígio internacional de uma produção brasileira sobre futebol que fosse produzida hoje por Walter Salles, Fernando Meirelles e José Padilha, dirigida por Vicente Amorim, com Rodrigo Santoro e Alice Braga encabeçando o elenco. Imaginou? Pois ainda não corresponde ao que significa -em capital de prestígio internacional, frise-se- a comédia dramática mexicana "Rudo y Cursi", que a PlayArte lança diretamente nas locadoras.
O trio dinâmico Alejandro González Iñárritu ("Amores Brutos", "Babel"), Alfonso Cuarón ("E Sua Mãe Também", "Filhos da Esperança") e Guillermo del Toro ("O Labirinto do Fauno") assina a produção. O diretor é Carlos Cuarón, irmão mais novo de Alfonso e roteirista de "E Sua Mãe Também". E o elenco traz Diego Luna ("E Sua Mãe Também", "Milk") e Gael García Bernal ("Diários de Motocicleta", "Ensaio sobre a Cegueira").
Rudo (Luna) e Toto (García Bernal) são irmãos em família de trabalhadores rurais. Ambos defendem um time amador de sua região -o primeiro como goleiro e o segundo, no ataque. Um caçador de talentos (o argentino Guillermo Francella) aparece por lá em dia de jogo e, surpreendido pelo futebol de ambos, mas com a possibilidade de levar apenas um deles para tentar a sorte na capital, deixa que os próprios irmãos decidam qual aproveitará a chance. Começa ali a aventura de Rudo e Cursi (sobrenome da família, que sapecam em Toto) pelos bastidores do futebol mexicano.
Não é, evidentemente, o filme de ficção definitivo que os fãs de futebol ainda aguardam (e talvez aguardem para todo o sempre, dadas as dificuldades naturais de levar as particularidades desse esporte para o cinema). Seus pontos fortes têm a ver justamente com a despretensão, que o leva a tratar de maneira francamente irônica o mundo da bola, incluindo jogadores desmiolados, agentes picaretas, treinadores movidos a propinas para escalar este ou aquele atleta (por assim dizer), torcedores neonazistas, apostas e subornos, carros, mulheres e, por fim, partidas.
Os times de primeira e segunda divisão utilizados pelo filme são ficcionais, com uniformes genéricos de cores exageradas (nem tão distantes da realidade assim, se o parâmetro forem os clubes mexicanos); as torcidas dividem as arquibancadas irmanamente e se comportam como se estivessem em um desenho animado, sacudindo flâmulas e bandeiras seja lá o que estiver ocorrendo. Em campo, não se vê muita coisa: para escapar ao desafio de encenar jogadas, opta-se pelo uso de elipses e da reação do banco e das arquibancadas aos lances. Mas, quando a câmera desce ao gramado, o faz com desenvoltura: Rudo parece mesmo um goleiro brutamontes (daí o apelido) e Cursi lembra atacantes leves como Lenny, ex-Fluminense e hoje no Palmeiras, que explodem muito cedo e depois não jogam nada.
Em um campeonato de filmes de ficção sobre futebol, "Rudo y Cursi" não disputaria o título, mas também não cairia para a Série B. Ficaria, o que cabe muito bem nesse caso, com uma vaga na Copa Sul-Americana.
“Valsa com Bashir” é crônica subjetiva e impressionante
Animação israelense premiada que revisita guerra do Líbano é lançada nas locadoras pela Sony
Vencedora do Globo de Ouro e do César francês como melhor filme estrangeiro, e também indicada ao Oscar de filme estrangeiro em 2009, a animação israelense "Valsa com Bashir" pode ser definida como uma cinebiografia documental em desenho animado. Aliás, de conteúdo bem adulto e dramático, o que deve ter contribuído para que sua censura no país tenha sido definida em 18 anos. O filme foi exibido no Cinema de Arte do Iguatemi e agora chega nas locadoras lançado pela Sony.
O diretor Ari Folman, que participou como soldado da segunda guerra do Líbano, em 1982, examina suas próprias culpas para abordar os problemas da reconstituição da memória dos episódios dramáticos que culminaram no massacre dos campos de Sabra e Chatila, em que teriam morrido 3.000 refugiados palestinos. Embora o massacre, tecnicamente, tenha sido atribuído a falangistas cristãos e libaneses, havia tropas israelenses ocupando aquele país - e sua responsabilidade ou omissão no caso continuam a ser objeto de controvérsia.
O filme, entretanto, não pretende resolvê-la, como explicou Folman na coletiva de imprensa em Cannes, onde o filme concorreu à Palma de Ouro em maio de 2008: "Eu queria um filme direto, abordando um massacre.
Soldados são sempre, como se sabe, peões a serviço de lideranças." E a liderança então era o primeiro-ministro Ariel Sharon, posteriormente condenado por uma comissão governamental por permitir os massacres de civis no Líbano.
O tom procurado por Folman é, claramente, o de uma catarse à qual não falta autocrítica. Ele parte da própria falta de recordações de seu tempo de serviço militar no Líbano, entrevistando antigos companheiros de tropa - que, ao contrário dele, têm sua mente povoada por lembranças e pesadelos. O assustador sonho recorrente de um deles, Boaz, é uma corrida noturna de 26 cães raivosos, dentes à mostra, percorrendo as ruas de Tel Aviv. No sonho, Boaz sabe que eles vieram para matar. Recolhendo peças desse quebra-cabeças perdido nas mentes dos amigos, Folman reconstitui em parte a história de uma vingança. Na época, o presidente libanês e cristão, Bashir Gemayel, fora assassinado. O ataque aos campos de refugiados palestinos teria sido o troco por esta morte.
À custa de ouvir muitos relatos, algumas imagens emergem também da memória de Folman - ele sonha consigo mesmo e outros saindo nus da água, de armas na mão, para entrar num campo iluminado por foguetes sinalizadores. Imagem tétrica, pois justamente uma das suspeitas contra as tropas israelenses foi terem disparado estes foguetes, facilitando a visão dos falangistas para as execuções.
Recorrendo à técnica da rotoscopia, a mesma vista em animações como Waking Life, de Richard Winklater, a partir das filmagens das entrevistas para o filme, Folman cria uma crônica da guerra ao mesmo tempo subjetiva e impressionante. Mas nada mais chocante do que as cenas finais, que mostram imagens reais de Sabra e Chatila.
Nenhum comentário:
Postar um comentário