segunda-feira, 6 de abril de 2015

ENTREVISTAS

Deborah Colker e os caminhos de "Belle"

Coreógrafa conversou com o DIVIRTA-CE e contou um pouco de sua carreira de sucesso, da concepção do novo espetáculo e dos 21 anos da Companhia de Dança Deborah Colker

A Cia de Dança Deborah Colker apresenta em Fortaleza o mais novo espetáculo, "Belle", com coregorafia inspirada no livro Belle de Jour, de Joseph Kessell, lançado em 1928. "Belle" conta com coreografia da própria Deborah. A apresentação será realizada no Teatro Rio Mar, às 21h.
A direção musical do espetáculo é de Berna Ceppas, que trabalhou no último disco da Nação Zumbi, lançado em 2014. As apresentações no nordeste marcam a reestreia da tour nacional de Belle.
A produção teve como norte o romance Belle de jour, escrito pelo franco-argentino Joseph Kessel, mesma fonte usada pelo diretor espanhol Luis Buñuel para filmar o clássico A bela da tarde, com Catherine Deneuve. A coreografia de Deborah, por sua vez, foi costurada a partir da história da burguesa Séverine, que não suporta o vazio de sua vida e, todas as tardes, trabalha como prostituta, de codinome Belle, em um cabaré.

Deborah Colker recebeu o editor de cultura do Jornal O Estado, Felipe Palhano, para uma entrevista no Ponta Mar Hotel, onde está hospedada em Fortaleza. Ela falou sobre os 21 anos de carreira, a concepção de "Belle", os trabalhos mais difíceis, o espetáculo que montou com o Cirque du Soleil e como é viver de dança no Brasil.

DIVIRTA-CE - Você está apresentando em Fortaleza seu novo espetáculo, que é “Belle”, baseado no romance "Belle de Jour", de Joseph Kessel, adaptado para o cinema pelo mexicano Luis Buñuel. Me fale um pouco desse novo projeto.
DEBORAH COLKER -
O filme me levou ao livro. Quem viu esse filme, marcou a vida! Clássico do cinema, com Catherine Deneuve. Conheci esse livro, essa história, no final dos anos 70, era uma jovem donzela. Belle é um livro que fala sobre uma mulher, burguesa, bem casada, que ama e é apaixonada pelo seu marido, que tem uma vida dentro da sociedade, dona de casa, casada com médico, está entre amigas, tem a vida dela, ela tem tudo! Mas falta alguma coisa a ela. E ela acaba atendendo ao um chamado implacável do instinto, passa a frequentar um bordel. Ela sai do mundo dela pra atravessar essa ponte para outro mundo, então o livro fala sobre o embate razão e instinto, entre amor e carne, entre sexo e alma, vida formal e vida visceral.
 
DIVIRTA-CE - São quantos anos de companhia?  Como você se interessou a primeira vez pela dança?
DEBORAH COLKER -
Eu acho que a dança foi o caminho impossível pra me expressar - ainda bem, porque senão não sobreviveria. Eu tenho um histórico assim de experiências muito distintas, estudei muita música, estudei piano, sempre fui uma pessoa muito ligada a atividades corporais  e esportes, voleibol, fiz faculdade de psicologia, mas em certo momento me encontrei pra expressar minhas ideias através da dança, através do corpo, do movimento e acho que consegui trazer todos as minhas experiências. Acho que a vida são as experiências que a gente tem e tudo o que a gente absorve, as pessoas que a gente encontra. Comecei com a dança muito pequena mesmo, balé clássico e tal. Depois, quando eu tinha 15 anos de idade, voltei a dançar. Voltei a fazer balé, dança moderna, sapateado. Conheci um cearense, o Flávio Sampaio,  meu professor no começo da carreira. Conheci uma pessoa que foi fundamental na minha vida, uma uruguaia, que quando eu tinha 18 anos, vi ela dançar e disse: é isso! E ai comecei a perceber isso que se chamava dança contemporânea. Na época, a gente está falando de 1980, final dos anos 70, eu lembro que minha mãe dizia: “minha filha, ninguém sabe o que é essa tal de dança contemporânea. Vai pra uma academia de dança de salão!”. O Flávio foi uma das pessoas que mais me deu força. E é isso, quando a gente faz um trabalho com amor e paixão, e não está escrito, não tem fórmula do que deve ser feito, era um trabalho há 21 anos atrás diferente. Eu subverti espaços, eu tinha um fascínio sobre investigar o movimento e espaço, trazer ideias, trazer todo mundo para dança contemporânea. Flavio deu aula de balé clássico pra companhia.
 
DIVIRTA-CE - Deborah, esse espetáculo “Belle” você usou uma linguagem mais ousada. Dizem até que o espetáculo é para maiores de 14 anos... é verdade?
DEBORAH COLKER -
É, pela primeira vez colocamos uma censura. Querendo ou não , essa mulher passa a frequentar um bordel, e bordel não é album de figurinha, não é a Disney. Bordel é um bordel! É um lugar proibido, lugar de segredos, é um lugar de perversão! Então eu jamais poderia deixar de trazer o erotismo ou a perversão, ou o mundo dos instintos pra esse espetáculo, então... é claro que adolescentes de 14 anos ou menos podem vir acompanhados dos pais, ou acompanhados por uma pessoa que saiba o que está acontecendo. Essa é uma responsabilidade que a gente sempre tem que ter na vida.
 
DIVIRTA-CE - Deborah, você já fez espetáculos que usam uma linguaguem técnica ousada e original. O que a gente pode esperar do "Belle" e qual foi o espetáculo mais difícil que você executou nesses 21 anos de Cia Deborah Colker, o espetáculo mais complicado de fazer?
DEBORAH COLKER -
"Belle" foi muito difícil pra mim, de dirigir, porque é difcil trabalhar com literatura. Adaptei um livro que era mais versátil, era poema, poesia transita, dança com a dança, de uma maneira mais relaxada. Literatura é difícil, pois você tem as palavras, aquela dramaturgia, e eu sabia que não queria fazer um espetáculo narrativo, então eu queria contar aquele espetáculo, mais eu queria contar aquela historia, em tudo é movido pelos sentidos, pelo significado, pelo que está querendo ser dito, corpo é construído por intenções, a relação do corpo com o movimento, e o movimento com o espaço, a música com a luz e o violino, toda concepção estética, eu acho que é ousadia....O "Rota" é um espetáculo colocado em vertical e em movimento, e não foi fácil, um objeto, espaço e gigante. Difícil, um cavalo chucro! (risos). Eu me lembro das cordas do espetáculo "Nó". Nossa! Uma surra! Eu lembro que foi espetáculo que a companhia  mais tempo demorou, eu lembro que eu falava pra galera, "vamos pegar as cordas", e a galera dizia, "as cordas não!".

DIVIRTA-CE- Deborah, você é a primeira mulher a dirigir o Cirque du Soleil. Me conta um pouco dessa experiência? Como foi dirigir o maior espetáculo da terra? Seu espetáculo chegou a circular no Brasil?
DEBORAH COLKER -
O espetáculo que dirigi para o Cirque Du Soleil agora está no Japão, fica até junho. Tem chances de vir ao Brasil e está a seis anos em cartaz. A gente estava em Londres, em turnê, e na época veio o braço direito do dono do Cirque du Soleil, foi ver meu espetéculo e me convidou. Acho que a gente tem no "Ovo" um resultado de um espetáculo da Deborah Colker com o Cirque du Soleil. Acho que a meta deles era essa: me trazer, do Brasil. Foi um desafio pra eles, foram três anos, de indas e vindas, entre o Rio de Janeiro e Montreal. Foi bastante intenso! Bastante transformador, pra mim uma experiência inesquecível. A toda hora volta na minha carne minhas angústias, minha dificuldade, é um resultado muito feliz.
 
DIVIRTA-CE - Teve alguma tecnologia especial que você utilizou no Cirque du Soleil, mas que você não conseguiria  usar no Brasil, mas gostaria de trazer pra cá?
DEBORAH COLKER -
Tem um cara que fez duas flores gigantes que se abrem, objeto gigante, ele é muito famoso. Eu sei que no Brasil várias pesssoas quiseram tê-lo, mas é muito caro. E muita gente boa de trabalhar com muita tecnologia, a sofisticação técnica, que é um espetáculo de tenda, super rico.
 
DIVIRTA-CE- Deborah, você mencionou a Petrobras como a maior incentivadora da sua companhia.  Como é viver de dança no Brasil? Vc acha que os incentivos no Brasil ainda são escassos?
DEBORAH COLKER -
  Eu analiso assim: sempre o que você tiver, pode ter mais! Sempre você vai querer mais. Então acho que é um trabalho incessante, como qualquer outro trabalho. O lado dos empresários tem que entender que investir no mercado de cultura e de arte é um bom negócio. Que é importante para a memória nacional, cultura nacional, para educação, para formar quem a gente é, da maneira que a gente quer ser. A dança tinha que ter mais investimento, a galera que dança também quer trabalhar mais, investir mais, reclamar menos, tem que trabalhar muito... E a gente poderia roubar menos nesse Brasil e investir em arte e cultura. Essa é uma frase que não é minha, mas esse país poderia ser incrível e deveria ser! Todo mundo pode investir em perfis no pequeno, no médio, no grande.
 
DIVIRTA-CE - Se você fosse convidada a ser Ministra da Cultura, você aceitaria?
DEBORAH COLKER -
(Risos) Não tenho a menor condição! Isso é uma carreira política, isso é uma coisa que o país precisa entender. Uma carreira política não é assim, a gente vê que não tem gente formada e é secretario de esporte. Eu sou formada, nisso posso me garantir!

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