quinta-feira, 26 de julho de 2018

CINEMA - ESTREIA

"Missão Impossível - Efeito Fallout" custou cerca de US$ 250 milhões por conta da lesão de Tom Cruise

Com o tornozelo quebrado após um salto mal calculado entre prédios londrinos, o astro obrigou a interrupção das filmagens por oito semanas, período em que toda a equipe (elenco incluído) continuou sendo paga para não assumir outros trabalhos - o que provocaria mais adiamentos de cronograma e mudança na data de lançamento do filme, algo desde o início descartado pelos produtores.

Para efeitos comparativos, Missão Impossível - Nação Secreta, o longa anterior da série, custou cerca de US$ 170 milhões. Mesmo descontando o suposto valor coberto pelo seguro (por volta de US$ 70 milhões), Missão Impossível 6 torna-se, portanto, dono da marca de mais caro capítulo da franquia de ação.

Contrariando o que costuma ser feito em Hollywood, Cruise não refilmou a sequência do acidente, que inclusive é um dos pontos altos do filme. Enquanto ele buscava a recuperação da forma mais rápida possível, a equipe de montagem foi trabalhando no material já filmado e no fim todos os prazos foram cumpridos.

O desafio de Cruise agora é bater recordes de bilheteria com Fallout, que precisa ser tão bem recebido pelo público quanto tem sido pela crítica. Mundialmente o maior sucesso da franquia é Protocolo Fantasma (US$ 694 milhões), enquanto nos Estados Unidos o campeão de arrecadação ainda é Missão Impossível 2 (US$ 215 milhões).

Dirigido por Christopher McQuarrie, primeiro cineasta a comandar dois longas sobre o personagem, Missão Impossível - Efeito Fallout é coestrelado por Henry Cavill, Rebecca Ferguson, Simon Pegg e Michelle Monaghan.

Após a conclusão de um momento eletrizante em Missão: Impossível – Efeito Fallout, no final de uma das primeiras sequências do filme, Ethan Hunt (Tom Cruise) se pergunta: “Por que não morremos?” De certa forma, a explicação para esse questionamento interno de Hunt é o motor principal para o longa-metragem, dando prosseguimento a várias das situações estabelecidas na obra anterior, Nação Secreta, também dirigida por Christopher McQuarrie. Na obra, Ethan Hunt não passará por nenhum desenvolvimento de personagem, mas o que é enaltecido pelo trabalho de condução do cineasta é o intuito discursivo dele sobre o protagonista da celebrada franquia de ação. Como entende o universo da série, McQuarrie configura sobre Hunt uma aura heroica, percebendo os feitos improváveis – para não dizer impossíveis – realizados pelo agente. Durante o filme, veremos as eternas tentativas de Hunt em salvar todos, ajudar todos e, para isso, Christopher McQuarrie entende como crucial o retorno de figuras carimbadas. Aquele revezamento de antes, com personagens esquecíveis substituindo personagens esquecíveis, não mais existe. O controle exímio por parte do cineasta no que quer para a franquia, no segundo filme sob o seu comando, é exatamente o que permite Missão: Impossível – Efeito Fallout ser o ápice da franquia.

Enquanto o longa-metragem – que possui uma duração considerável, ultrapassando duas horas, mas com sensação de meia – segue sob uma segunda camada esse escopo super-heroico, englobando todos os coadjuvantes que retornam, como as participações importantes de Ving Rhames e Simon Pegg, até mesmo aqueles que surgem pela primeira vez, uma história, nos moldes conspirativos de sempre, está sendo contada sob uma camada superficial. Longe de ser simplória, mas também distante de uma complexidade ou sagacidade extrema, o que está sendo contado não impressiona muito. As motivações, enfim, para os antagonistas seguem a receita de bolo clássica. Mas a questão central não está na história funcional, mas na narrativa empolgante, que impulsiona os acontecimentos para uma outra dimensão e permite Efeito Fallout ser a tamanha conquista do gênero que é. Sendo assim, não é exagerado caracterizar o longa-metragem como uma das produções americanas de ação mais energéticas dos últimos anos. Ao ter controle também sobre o roteiro, Christopher McQuarrie inventa e reinventa as artimanhas relacionadas às icônicas reviravoltas, preenchendo o filme de inúmeras delas, mas nunca demasiadamente forçando-as a ponto de tornar toda a criação uma espécie de auto-paródia.

A compreensão possuída pelo cineasta da própria franquia que conduz é tão grande que o flerte com estradas carregadas dramaticamente aparece apenas para nos dizer que, na realidade, não queremos nada disso. Cada reviravolta é um impulso, que vai multiplicando o nosso interesse e nosso envolvimento no filme. O cinema é de ação, sem querer ser algo além disso, com metáforas inteligentíssimas ou uma alegoria bíblica qualquer para mostrar o quanto intelectual McQuarrie é. O impossível acontece em cena, contudo, não desacreditamos no que vemos, pois o longa-metragem, diferente de outros do gênero, tem auto-consciência do que ele é, portanto, permitindo que a suspensão da descrença seja aliada com um entretenimento que apenas valoriza o trabalho de McQuarrie. Desde o início, temos, além de um sub-texto claro, que nos motiva a acompanhar o filme – a discussão sobre a faceta heroica de Ethan Hunt -, a narrativa movimentando-se em níveis ágeis. As instruções da missão, quase como em um formato de gameplay, seguem o mesmo preceito básico, mas sem nenhum malabarismo como os existentes em Missão: Impossível 3, por exemplo. O filme começa e pronto, não para. Ao mesmo tempo, o “sua missão, caso queira aceitar…” também tem seu valor, realçando um homem que, mesmo podendo, nunca rejeitou uma única tarefa.

Ademais, são vários os momentos em que McQuarrie prova ser um ótimo condutor de ação, enxergando as sequências tanto por meio de vários olhares, intercalando situações de um modo a não tirar o fôlego de nenhumas, quanto por um único olhar, como no impressionante “plano-sequência” consequente ao pulo, de um avião, de Ethan e Walker (Henry Cavill), personagem com o objetivo de vigiar as ações de Hunt, prevendo que ele, novamente, irá comprometer missões em prol da segurança de sua equipe. Durante perseguições de carros, percebam como McQuarrie adianta a visão do protagonista, mapeando o trajeto a ser percorrido, mas nunca por onde ele será percorrido, fazendo o espectador se precipitar e, consequentemente, se empolgar, tornando-se ativo durante a obra. Sendo assim, Ethan Hunt é uma espécie de herói de videogame, responsável por caminhar livremente pelas fases sugeridas. Por outro lado, enquanto Ilsa (Rebecca Ferguson) é aliada a um dos únicos arcos paralelos do longa, interessantíssimo por sinal, o surgimento de Walker, agente da insuportável CIA, demora para convencer, ainda mais porque o ator, embora tenha, no papel, a caracterização de um assassino, parece ser um agente bastante do ingênuo – o que é bom para carisma, mas ruim para coerência.

Por outro lado, esse caráter de gameplay, protagonizado, é claro, por um Tom Cruise em ótima forma, recorre muito mais a uma vertente de mundo-aberto do que a uma vertente linear, dando margem para que enxergamos Ethan Hunt conduzindo a ação, e não a ação conduzindo-o. Muitas vezes, o longa-metragem irá nos fazer pensar até que ponto as atitudes tomadas pelos personagens são pensadas e até que ponto elas são improvisadas, decorrência de um fator bastante realçado nessa obra: a sorte. Isso, além de tornar tudo mais refrescante, também serve como indulgência para os casos em que os personagens erram – um artifício narrativo batido, mas aceito pelo espectador diante disso. No final das contas, estamos falando de uma franquia de ação sem o intuito de ser sisuda, mas também longe de ser descerebrada o suficiente para não conquistar-nos em níveis pessoais. A série aquece muito mais corações do que cérebros, não por ser emocionante demais, mas por ser emocionante demais, em um outro sentido da palavra, que envolve a construção estupenda de tensão, ambientação, empolgação e ação. Depois de vinte anos, Ethan Hunt continua salvando o mundo das maneiras mais impressionantes. Depois de vinte anos, McQuarrie prova ser impossível não se entusiasmar quando aquela musiquinha icônica da franquia começar a tocar.

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