quinta-feira, 21 de agosto de 2014

LIVROS - NÃO FICÇÃO

Livro de Ricardo Viveiros ‘redescobre o Brasil’
 
“A Vila que descobriu o Brasil: A incrível história de Santana de Parnaíba" mostra como, a partir da cidade, paulistas e parnaibanos trilharam os caminhos que levaram à expansão territorial do País
 
O jornalista e escritor Ricardo Viveiros lançou em agosto, o livro A Vila que descobriu o Brasil: A incrível história de Santana de Parnaíba (Editora Geração, 288 páginas, R$ 44,90). Resultado do trabalho de oito anos de pesquisa, que envolveu viagem a Portugal e a análise de uma vasta bibliografia, a obra mostra como a cidade, na ocasião um pequeno povoado às margens do Rio Tietê, foi fundamental para as Bandeiras e a expansão do território sob o domínio dos portugueses, que resultou na formação do Brasil.
 
Cruzando os acontecimentos de época na Europa, com os episódios na Colônia, Viveiros constrói uma narrativa que mostra como a história do pequeno povoado – que mais tarde seria elevado a Vila e que é, hoje, uma cidade com mais de cem mil habitantes – influenciou e foi impactada pelos momentos vividos no Brasil e na Península Ibérica.
 
Um aspecto interessante trazido pelo livro é o mapeamento da trajetória dos primeiros exploradores do planalto de Piratininga, “o lugar onde o peixe seca”, com a descrição de acidentes geográficos hoje tão conhecidos – e completamente transformados – pela recentes gerações de paulistas. É o caso da bacia hidrográfica do Rio Tietê, “principal acidente geográfico do planalto, não só pela sua dimensão e quantidade de águas, mas também por correr na direção do interior e desaguar no Rio Paraná”. Segundo Viveiros, “o rio que não corre para o mar era, portanto, a principal via de penetração nos sertões dos domínios portugueses, nos séculos XVI e XVII”.
 
É este o ponto de partida da grande aventura descrita por Viveiros em uma obra que, nas palavras do prefaciador e último vencedor de Livro do Ano de Não Ficção do Prêmio Jabuti, Audálio Dantas, mesclam “a paixão do jornalista ao rigor da pesquisa histórica”. Na definição do prefaciador, “Ricardo Viveiros narra a fascinante história de Parnaíba com a preocupação do repórter atento que sempre foi. Ele é, como todo bom repórter, um caçador de histórias, do tipo que é capaz de ir até o fim do mundo para contar o que viu. De certa forma, um tipo de bandeirante da informação”.
 
Em 288 páginas, o autor refaz, literalmente, o caminho desde Portugal até Pindorama (como os índios chamavam o Brasil), de Porto Seguro (Bahia) até Santana de Parnaíba (São Paulo) e, dela, alcança as fronteiras de todo o País. “Foram muitas e impressionantes as constatações feitas. A principal é que partindo de Santana de Parnaíba se descobriu, efetivamente, o Brasil, fruto da coragem desbravadora de lendários bandeirantes, como: Fernão Dias Pais Leme, Raposo Tavares, Bartolomeu Bueno da Silva (o “Anhanguera”), Borba Gato e Domingos Jorge Velho”, resume Viveiros.
 
Tudo era sertão

         Encrustada, hoje, no coração da maior região metropolitana do País, Santana de Parnaíba era, em 1580, o local em que “principiava o sertão”. Ou seja, era a confluência tanto entre os caminhos indígenas que, por terra, seguiam o fluxo do Tietê, quanto ponto de partida para expedições rio adentro. Era também, por conta disto, uma localização estratégica para a defesa da Vila de Piratininga, que mais tarde daria origem à cidade de São Paulo. Talvez por isso, tantas figuras importantes para a colonização passaram – e deixaram suas marcas – por Santana de Parnaíba.

         Escrito como um romance de época, o livro traz detalhes de personagens locais fundamentais para a formação da Vila e cujas trajetórias impactaram a história nacional. É o caso de Suzana Dias, neta do cacique Tibiriçá, importante líder indígena aliado dos portugueses. Viúva do senhor da sesmaria em que o povoado de Paranaíba estava situado, tornou-se a "líder de fato” da localidade devido às constantes ausências dos homens da família, que se embrenham com frequência em expedições bandeirantes. É, hoje, considerada por muitos, a verdadeira fundadora de Santana de Parnaíba.

         Filha da índia Beatriz e do colono Lopo Dias, Suzana Dias casou-se por volta de 1570 com Manuel Fernandes Ramos, proprietário de terras que chegara ao Brasil em 1564. Tiveram 16 filhos, entre eles três conhecidos pelas contribuições para a fundação de importantes cidades do Estado – Domingos (fundador de Itu), Baltazar (fundador de Sorocaba) e André Fernandes (que teve papel importante na fundação de Santa de Parnaíba). Originais de São Paulo, mudaram-se para Parnaíba, “a quebra da grande água”, por volta de 1580, ano em que uma epidemia de disenteria dizimou centenas de habitantes do planalto. Após a morte de Manuel Fernandes, por volta de 1589, o primogênito André, ainda com 10 anos, passaria a proprietário das terras. No entanto, o mando de fato foi exercido por Suzana, cuja grande importância podia ser medida pela citação de seu nome em documentos oficiais – algo extremamente raro para a época, em se tratando de uma mulher.

         Mas, Suzana não foi a única mulher a administrar propriedades na Parnaíba dos séculos XVI e XVII. Por conta da ausência prolongada dos maridos, imbuídos nas entradas e bandeiras que, cada vez mais, estendiam-se por meses ou anos a fio, era papel das esposas cuidar e tirar proveito econômico dos sítios e fazendas do povoado. O padre José de Anchieta, recém santificado, foi confessor de Suzana Dias.

         Além de ponta de lança para as bandeiras que definiram as rotas e fronteiras do sertão, a Vila de Santana de Paranaíba ficou famosa também por sua rivalidade com sua vizinha mais destacada, a Vila de São Paulo. Não concordavam, por exemplo, quanto à necessidade de manutenção do Caminho do Mar, que interessava aos moradores de São Paulo, mas não possuía qualquer serventia aos que viviam em Parnaíba, mais preocupados com as estradas que levavam ao interior.

         O livro detalha os aspectos da formação da vila e suas influências na expansão do Brasil, mas chega até momentos mais recentes que contribuíram para o desenvolvimento do Estado de São Paulo, como a construção da primeira usina da Companhia Light and Power no Brasil. Concluída em 1901, viria a fornecer energia para funcionamento dos bondes e iluminação pública da capital paulista, além da própria Santana de Parnaíba. A obra, gigantesca para a época, trouxe uma efervescência econômica durante sua execução, que não perdurou. Como aponta Viveiros, o único consolo foi que, dois anos depois, a vila foi elevada a condição de cidade, em 19 de novembro de 1906. E a história do lugar, trazendo descobertas e fatos divertidos, continua até o projeto urbanístico “Alphaville”, realizado em 1970 durante a ditadura militar que tomou o País em 1964.

         A Vila que descobriu o Brasil: A incrível história de Santana de Parnaíba reúne documentos, pinturas de época, fotos antigas e imagens iconográficas que ilustram o resgate da história desta cidade e sua importância para o estado de São Paulo e a expansão nacional.

         Santana de Parnaíba foi fundada em 1580 e elevada à Vila, em 1625. Completa em 14 de novembro próximo 434 anos. Está localizada há 35 quilômetros da capital paulista e tem aproximadamente 110 mil habitantes.

O autor

Ricardo Viveiros nasceu no Rio de Janeiro em 1950, mas mora em São Paulo desde 1976. Sua infância foi de um típico garoto carioca, brincando na rua, andando de bicicleta, jogando bola, subindo em árvores e namorando. O gosto pelos estudos só era superado pelo encantamento por histórias lidas em livros ou ouvidas dos mais velhos, o que sedimentou o caminho para a carreira de jornalista e escritor. Viveiros trabalhou em jornais, revistas, rádios e TVs, e atuou ainda como ator, professor, diretor de museu, palestrante e produtor artístico. Escreveu 32 livros em vários gêneros, como: Poesia, Reportagem, Biografias, História, Arte, Crônicas e Infantojuvenis.
 
 

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