sexta-feira, 22 de agosto de 2014

LIVROS - FICÇÃO

Trama de detetives noir em futuro distópico

Novidade da Geração Editorial, "A Cilada" usa nova marca registrada de livros de ficção

A distopia, marca registrada de livros de ficção científica nos anos recentes, é a antiutopia por excelência, mostrando um futuro em que os valores humanos estão destruídos e as metrópoles gigantescas são autênticos infernos multirraciais e multiétnicos, povoados por multidões sujeitas a rígidas divisões de classe, corrupção, policiais tão indignos de fé quanto os bandidos, drogas, marginalidade descontrolada e desespero. É num cenário assim que se situa a cidade de Rigus, suntuosa, gigantesca e rica, onde a Cidade Baixa é a parte sombria, escura, por onde vagam os dejetos sociais mais imprevisíveis e perigosos. É na Cidade Baixa que circula o Guardião, ex-combatente de guerra, ex-agente secreto e policial da Casa Negra, negociante de drogas e também dependente delas para atenuar o tédio e o desgosto, morando num quarto acima de um bar imundo. Nesse mundo do Guardião, tal como nos melhores livros de detetives noir ao estilo de Raymond Chandler, Dashiel Hammett e James M. Cain, ninguém é digno de confiança, nem mesmo o próprio detetive, um compêndio ambulante dos mesmos defeitos que encontra nos outros, mas com uma vantagem: a lucidez. É devido à lucidez com que enxerga o mundo que ele se torna capaz de narrá-lo com precisão e também um humor negro desesperado.
A Cilada é assim, um livro escrito na primeira pessoa, na tradição dos melhores de Chandler & Cia, novidade da Geração Editorial lançado nas livrarias brasileiras. Mas é também uma FC, um romance fantástico, uma fantasia noir, em que o Guardião surge como uma variação do J.J. Gittes, de "Chinatown" ou do Dick Deckard, de "Blade Runner Caçador de Androides" num futuro sem esperanças. Convocado pelo general Edwin Montgomery, que, tal como ele, esteve numa guerra inglória em que muitos morreram à toa a serviço de uma monarquia indiferente ao destino dos cidadãos das Treze Terras, o Guardião terá a missão de reaver para o veterano herói de guerra a filha adolescente, Rhaine, que desapareceu. A garota quer saber a verdade sobre a morte de seu irmão, Roland, presidente da Associação dos Veteranos da Grande Guerra, assassinado num bordel da Cidade Baixa, e se envolverá num mundo perigoso, onde nem mesmo o Guardião poderia protegê-la, até porque, teimosa, ela decide enfrentar os perigos, traficantes, prostitutas, negociantes de comércio indefinido, e procurar o irmão sozinha.
Ela sobreviverá? Um monte de pessoas diferentes, nenhuma delas confiável, está de olho na garota, e o Guardião, mesmo sem querer e sem acreditar em nada que não seja duvidoso, aceitou a missão e se pôs a caminho, deparando-se com inúmeros tipos esquisitos num mundo onde raças novas surgiram, e gangues urbanas proliferam. Cadáveres e lances imprevisíveis, tramados por figurões no escuro da Cidade Baixa, que tem confluências com a Cidade Velha e seus nobres decadentes, esperam por ele, porque cidadãos do mundo "limpo" costumam fazer uso da Cidade Baixa para finalidades sexuais ou outras menos previsíveis, usando pessoas que se prestam a expedientes mais sórdidos por alguns ocres moeda de Rigus a mais, e o Guardião conhece bem os meandros do mundo em que se move, mas sua experiência não garante que ele não poderá ser escaldado de novo a qualquer momento.
Não é uma missão assim tão diferente daquelas que Philip Marlowe, de Chandler, teve que enfrentar, exceto que se passa num futuro em que o cinismo é total e tudo principalmente o pior pode acontecer para os incautos, inocentes ou confiantes demais em si mesmos. Sem dispensar meia ampola de Sopro de Fada, ou fumar um pouco de vinonífera, o Guardião precisará de todas as suas forças, habilidades e dúvidas para resolver este caso.
 

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