“Praia do Futuro é um filme de aventura, de viagem, de personagens que se arriscam"
O cineasta cearense Karim Aïnouz falou com o blog DIVIRTA-CE sobre a indicação de seu novo filme, “Praia do Futuro”, para o principal prêmio do Festival de Berlim
>O longa metragem "Praia do Futuro" estreia dia 1º de maio, e tem Clemens Shick, Wagner Moura e Jesuíta Barbosa no elenco
Com filmes de histórias fortes, personagens complexos e desenvolvimentos nada evidentes, as produções do cineasta cearense Karim Aïnouz são dificilmente esquecidas por quem assiste. Natural de Fortaleza, Karim formou-se em arquitetura pela Universidade de Brasília e fez mestrado em Teoria do Cinema na Universidade de Nova York,especializando-se em teoria cultural pelo programa de estudos independentes do Whitney Museum of American Art. No período em que morou nos Estados Unidos, Aïnouz trabalhou como assistente de montagem e direção em vários longas, entre os quais, Poison (Haynes, 1990), Swoon (Kalin, 1991) e Postcards from America (McLean, 1993). Ganhou uma bolsa do New York State Council on the Arts e do Jerome Foundation for the Arts, e foi também convidado como artista residente pelo centro de mídias do New York Film Video Arts e pelo Banff Centre for the Arts (Canadá). Em 2004, recebeu a prestigiosa bolsa Berliner Künstler Program do DAAD – German Academic Exchange Service, e desde então vive morando entre Berlim e Fortaleza.
No início da carreira, seus curtas-metragens foram considerados inovadores, sendo exibidos em mais de 50 festivais no Brasil e no exterior, incluindo os de Rotterdam, Oberhausen, Londres, MoMa (Nova Iorque), Vancouver e Atlanta. Mas Karim ficou famoso e ganhou notoriedade no cinema nacional com seu primeiro longa-metragem,”Madame Satã”, que foi selecionado para a mostra ‘Un Certain Regard’ do Festival de Cinema de Cannes em 2002 e recebeu mais de 40 prêmios em festivais nacionais e internacionais
Filmado em 2012, "Praia do Futuro", novo filme de Karim após "O Abismo Prateado", chegará aos cinemas em 1º de maio de 2014, quase dois anos depois das gravações. No novo longa, que se passa em Fortaleza e Berlim, Wagner Moura é o salva-vidas Donato, que trabalha na Praia do Futuro, na capital cearense. Ele começa a se afastar de sua vida depois de perder um turista alemão durante um resgate. Quando Donato começa a se afastar, seu irmão mais novo, Ayrton (Jesuíta Barbosa), começa também a buscá-lo.
Desde as filmagens até o lançamento, muita coisa aconteceu com os protagonistas: Moura impressionou o público e os críticos de Hollywood com sua estreia internacional em "Elysium" e Jesuita é considerado uma nova promessa do cinema e da TV há algum tempo, por sua participação no seriado “Amores Roubados”, da TV Globo, e com seus outros filmes, "Serra Pelada" e "Tatuagem"—este último, levando o troféu de melhor ator no Festival do Rio 2013. Co-produção entre Brasil e Alemanha, "Praia do Futuro" também traz no elenco o ator alemão Clemens Schick, de "007: Cassino Royale" (2006).
Karim recebeu o DIVIRTA-CE, um dia antes de seu aniversário, na quinta passada (dia 17/01), logo após proferir uma palestra no Porto Iracema das Artes, para falar sobre as expectativas de ser indicado ao Urso de Ouro do Festival de Berlim 2014, pelo filme “Praia do Futuro”, os novos projetos e seu amor pelo Ceará. O Festival de Berlim acontece de 6 a 16 de fevereiro.
DIVIRTA-CE – Como você recebeu a notícia da indicação ao Urso de Ouro, principal prêmio do Festival de Berlim, pelo filme “Praia do Futuro”, dias antes do seu aniversário?
KARIM AÏNOUZ – Foi só alegria, este é um filme que estamos fazendo há um tempão, e ter sido indicado ao principal prêmio do Festival de Berlim é muito bacana para “Praia do Futuro”, pois o evento é uma das maiores vitrines do cinema mundial. É ótimo estar nessa posição: tem o Oscar do lado de cá do Atlântico, e do outro lado, esses três festivais, que são Berlim, Veneza e Cannes. Muito bom este festival ser a primeira vitrine do filme no mundo.
DIVIRTA-CE– Fale um pouco do filme, que é a história de um guarda-vidas da Praia do Futuro, em Fortaleza, interpretado por Wagner Moura...
KARIM AÏNOUZ – Vou contar só um pouquinho, pois todos precisam ver o filme. Na verdade é a história de um salva-vidas da Praia do Futuro, que tem um irmão caçula, de oito anos, e acontece uma coisa na vida dele que o obriga a mudar tudo, se mudando para Berlim. Parte do longa, que tem duas partes, é filmado na Alemanha. O personagem de Wagner Moura desaparece da família, e oito anos depois, quando esse irmão caçula dele já cresceu, e passa a ser interpretado pelo Jesuíta Barbosa, tem a segunda parte do filme. É quando ele vai atrás do irmão salva-vidas, Guido, na Alemanha, e tem um acerto de contas. Na verdade é uma história de irmãos. Queria muito fazer um filme que falasse nos nossos tempos, nós vivemos um momento muito conservador, um negócio muito pautado pelo medo, temos medo de tudo, perder o emprego, medo de dar algo errado... enfim “Praia do Futuro” é um filme de aventura, de viagem, de personagens que se arriscam.
DIVIRTA-CE– O que você acha que chamou a atenção do Festival de Berlim para seu filme, quais são as maiores qualidades desta nova produção para você? E seus concorrentes? Você acha que temos chance de levar esse prêmio?
KARIM AÏNOUZ – Rapaz, eu acho que é um filme que emociona, e é isso que conta. Acho que isso é o termômetro para o público, e o filme foi feito com muito carinho, cheio de afeto. Acho que isso deve ter tocado o pessoal da seleção do festival. E com relação aos concorrentes, eu não estou pensando muito não, eu já ganhei o prêmio! Só em ter sido selecionado, dias antes do meu aniversário, já foi ótimo. Mas vamos ver, isso é igual ir para a Copa do Mundo e dizer que vai ganhar: vamos lá, vamos jogar!
DIVIRTA-CE– Seus filmes, como “Madame Satã” (foto) e “O Céu de Suely”, tem sempre personagens bem construídos, complexos, parece que são baseados em histórias reais. Tem algo de autobiográfico nos seus filmes? Como é o processo de criação? O filme “Praia do Futuro” foi tirado de alguma história que você tenha ouvido falar, algum caso verídico?
KARIM AÏNOUZ – Na verdade tem sempre coisas da sua vida, que te interessam. No “Céu de Suely” tinha uma coisa que era muito importante e mostra isso: eu venho de uma família que os homens vão muito embora, as mulheres têm que fazer a vida sozinhas. No Brasil isso é muito comum. No “Céu de Suely” ela que vai embora, e deixa o filho em casa. Geralmente isso é um atributo dos homens, esse privilégio de poder ir embora. O cinema é sempre um jeito que eu encontro de imaginar coisas que eu aconteceram, ou que eu não vivi e gostaria de ter vivido, e de mudar realidades. O cinema tem essa potência. “Praia do Futuro” tem muito disso, de eu poder falar de um lugar que é importante na minha vida. Eu morava ali na Avenida Engenheiro Santana Júnior e vivia indo para a praia de carona, foi o lugar que eu vi a primeira pessoa afogada, foi o lugar que eu fui na primeira boate da minha vida, que era a Tatarana, o lugar onde eu passei uma porção de réveillons, no La Luna, que tinha na Praia do Futuro. Cada filme meu é pautado por esse arcabouço de memórias.
DIVIRTA-CE– Você é um cineasta que tem reconhecimento internacional, seus filmes foram muito premiados, mas você não esquece do Ceará, sua terra. Como é sua relação com o nosso estado, com Fortaleza, nos seus filmes e no seu trabalho, e como é sua relação com a cidade? Você está morando na Alemanha, mas está sempre vindo aqui, proferindo palestras, cursos...
KARIM AÏNOUZ – Estou morando em Berlim, mas a cada dois três meses eu volto para fazer trabalhos no Brasil, então eu tenho um carinho, um afeto muito grande por Fortaleza. Tenho o privilégio de estar ao mesmo tempo aqui, e também ver a cidade de fora, ver como ela está mudando. É como o filme “Praia do Futuro”, cheio de memórias, onde eu me reconheço o tempo inteiro, fala de Fortaleza. O filme “O Céu de Suely” também é muito importante para mim. Desde quando fiz meu primeiro filme, o “Madame Satã”, eu já colocava na minha cabeça, “preciso filmar no Ceará, com a luz, o cheiro de lá”. Meus filmes sempre foram pautados pela saudade que eu sinto daqui.
DIVIRTA-CE – Estamos vivendo um momento “exportação de cineastas brasileiros para Hollywood”, com muitos diretores fazendo cinema fora, com orçamento gringo. Você já recebeu algum convite? Como você vê essa internacionalização?
KARIM AÏNOUZ – Desde o “Madame Satã” trabalhamos com orçamentos mistos. Com exceção de um, todos os meus filmes são co-produções, geralmente com a França, Portugal, Espanha ou Alemanha. Na verdade, “Praia do Futuro” é meu primeiro filme internacional, filmado na Alemanha, com atores brasileiros e alemães, não só com orçamento de fora. E quando falamos “internacional”, pensamos logo em Hollywood, mas eu não tenho nenhuma vontade. Prefiro fazer filmes internacionais que sejam do outro lado do Atlântico. Me interesso mais pelo cinema europeu, cinema inglês, francês, italiano.
DIVIRTA-CE – Quem são suas referências? Quais cineastas você admira?
KARIM AÏNOUZ – Adoro o Christopher Nolan, que dirigiu o “Batman”. Tem o Sam Mendes, que fez o último filme do 007, uma diretora francesa que eu sou fã, chamada Claire Denis, tem o pessoal da Ásia que que é incrível. O que me encanta nesses diretores é que eles têm uma assinatura muito própria. Igual ao Pedro Almodóvar, você quando vê um filme dele, porque tem um jeito dele. Igual a roupa, compramos daquela marca porque tem um jeito que nos interessa.
DIVIRTA-CE – Como foi a escolha de elenco do filme “Praia do Futuro”. Como foi trabalhar com Wagner Moura como protagonista?
KARIM AÏNOUZ – O Wagner eu conheci há muitos anos, trabalhando como co-roteirista do Walter Salles Jr, em “Abril Despedaçado”. Quando veio a ideia de “Praia do Futuro”, com o personagem salva-vidas, foi muito evidente que tinha de ser ele. Faz muito tempo que queríamos fazer algo juntos e aconteceu nesse filme. O Wagner é um ator-autor, um cara que colabora com o roteiro. O Jesuíta, nós passamos dois anos fazendo testes de elenco, era um personagem que teria de ser um ator com pouca experiência, então foi muito evidente que era ele também. Tem outro ator do Ceará, que também esteve na série da Globo, “Amores Roubados”, que é o Igor, um garoto da Praia do Futuro. Passamos também um ano procurando ele, e era muito importante ser alguém daqui, que tivesse o sotaque do lugar. Tem um ator alemão que é muito especial também que é o Clemens Shick, bastante conhecido na Alemanha. Ele fez “Cassino Royale”, do 007.
DIVIRTA-CE – Além de divulgar o filme “Praia do Futuro”, que estreia nos cinemas em maio, quais são seus próximos projetos? Está muito ansioso para o Festival de Berlim? Já ensaiou algum discurso, caso leve o Urso de Ouro para o Brasil?
KARIM AÏNOUZ – O filme estreia dia 1º de maio, estou voltando para Berlim agora, para o Festival que será em fevereiro, então estarei trabalhando na promoção do “Praia do Futuro”. Eu sou muito tímido para esse negócio de discurso (risos). Depois do Festival eu volto para cá, onde faço um trabalho dentro do Instituto Dragão do Mar, de desenvolvimento de roteiros para séries de televisão com autores cearenses. Estamos fazendo cinco projetos com autores jovens, um trabalho de consultoria para conseguirmos cinco roteiros sólidos produzidos aqui no Ceará.
DIVIRTA-CE – A Globo ou alguma emissora de TV já demonstrou interesse nesses roteiros ou vocês já ofereceram para algum canal aberto ou a cabo?
KARIM AÏNOUZ – Na verdade decidimos não oferecer para ninguém antes de termos os roteiros sólidos. A graça é resolver um problema grave do cinema brasileiro e da TV também que é a maturidade dos roteiros. O objetivo é chegarmos até abril desse ano com os cinco roteiros prontos.
TV DIVIRTA-CE Entrevista
Vejam o bate papo entre Felipe Palhano e Karim Aïnouz, gravado um dia antes do aniversário do cineasta, em vídeo que deu origem à entrevista, além de cenas da palestra que ele proferiu no Porto Iracema de Artes, com direito a "Parabéns para você"
Cine TV DIVIRTA-CE
Veja agora o filme completo do cineasta Karim Aïnouz e seu parceiro Marcelo Gomes, "Viajo porque preciso, volto porque te amo"
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