segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

CINEMA DE ARTE





"Deite Comigo" é sexy e ousado

Vivemos a era das compulsividades. Somos viciados em comida, regimes, trabalho, sexo, academia, religião, álcool, drogas, conhecimento intelectual, relacionamentos. Por aí vai uma extensa lista de atividades que nos distraem de nós mesmos e de nossas questões mais profundas e existenciais que nos fazem sofrer. Livros de auto-ajuda e grupos anônimos proliferam, tentando apresentar uma vida mais cor-de-rosa e acolhedora e nos eximir de incertezas, angústias e perdas que no final são inevitáveis. O preço a ser pago por tantas distrações e disfarces é a superficialidade e o vazio existencial. A vida parece não fazer sentido e não há diversão que dê conta de nos afastar dessa estado. Não é a toa que hoje há também cada vez mais deprimidos.


As compulsividades colocam no comando nossos aspectos mais primitivos e instintuais e, em níveis mais patológicos, podem comprometer seriamente nossas vidas. Convivência familiar, compromissos de trabalho, relacionamentos sociais ou cuidados básicos com a saúde podem ir para o espaço quando, incontroladamente, a compulsão impera. Tragicamente, algumas compulsões são até muito valorizadas na sociedade, como por exemplo o trabalho e, em algumas situações, o sexo. No tarot, é a carta da roda da fortuna onde um macaco com a coroa reina no lugar do
imperador. O imperador soberano precisa urgentemente recuperar o seu trono usurpado, pois nessa condição seu império corre sérios riscos de cair no mais absoluto caos.


O filme Deita Comigo do diretor jamaicano Clement Virgo conta a história de Lelia, uma jovem mulher obcecada por sexo. Ela se masturba em frente a televisão vendo filmes pornográficos e sai à noite
em busca de parceiros ocasionais. É significativo ver um personagem feminino com comportamentos sexuais muito parecidos com os masculinos.
Lelia é uma caçadora e domina no ato sexual. Sinal dos novos tempos. Em uma de suas caçadas, Lelia conhece David, um jovem artista com quem consegue grandes performances na cama. David também é um atleta no sexo e encontra em Lelia sua parceira perfeita.




Lelia só sabe se relacionar sexualmente com seus parceiros. Não há outra forma de encontro possível para ela. Ela não tem um bom relacionamento com seus pais. David namorava uma garota antes de Lelia e cuida de seu pai inválido de maneira extremamente amorosa.
Tudo vai indo muito bem nesse encontro perfeito até que algo acontece e Lelia se dá conta que ela e David não são apenas corpos com zonas erógenas e que a vida não se reduz ao deleite e a satisfação dos instintos.

Algo sai do controle. A vida coloca situações de fragilidade e vulnerabilidade que nos tira a ilusão de que tudo pode se resumir a escapismos. Nessa hora não há distrações que possam anestesiar a dor e Leslie perde o chão. Ela se dá conta de sua condição humana.


Em suas buscas noturnas de satisfação de seu desejo, Leslie conhece David e, inadvertidamente, encontra a qualidade humana dos sentimentos e afetos em si mesma e em seu parceiro. Aí pode estar uma chave
libertadora do aprisionamento dos vícios tão desesperadamente buscada pelos compulsivos.


É possível ver esse filme e se deleitar unicamente com as belas cenas de sexo, mantendo-se no padrão de conduta da personagem principal. Ou então perceber que a vida oferece saídas.




Scorsese cria "intriga" entre os Stones

Diretor incluiu em documentário elementos de boataria sobre rivalidade entre os guitarristas Keith Richards e Ronnie Woods


Exibido fora da competição, "Shine a Light" abriu o 58º Festival de Berlim; apesar do frio, presença de Scorsese e dos Stones causou frisson


"Shine a Light", o filme de Martin Scorsese com os Rolling Stones que abriu quinta o 58º Festival de Berlim, tem qualidades para agradar mesmo quem não é fã do cineasta norte-americano ou da banda inglesa -se existir alguém assim.
Em torno do show que os Stones fizeram no Beacon Theatre em Nova York, em 2006 -peça principal do filme-, Scorsese acrescentou elementos de suspense, de história, de humor e até de intriga -principalmente na rivalidade entre os guitarristas Keith Richards e Ronnie Woods.
O filme começa com a imagem em preto-e-branco de Scorsese no Beacon Theatre e de Jagger num escritório, em Londres, paralelamente. Enquanto o diretor estuda onde posicionar as câmeras, Jagger diz, vendo a maquete do teatro: "Parece uma casa de bonecas".
Com seus 2.400 lugares, o Beacon Theatre é pequeno demais para uma banda habituada a platéias de milhões.
As "desavenças" entre os Stones e Scorsese sobre o local e a ordem do show ocupam a primeira parte do filme, que logo depois se torna colorido.
"Tudo o que eu peço é para saber quais serão as duas primeiras músicas", implora Scorsese, aflito com a possibilidade de não estar com a câmera apontada para o guitarrista correto no primeiro acorde.
Os Stones resistem a seguir um plano rígido, afinal, "isso aqui é rock'n'roll", como argumenta Richards.
Entrevistas que os músicos deram a TVs de diversos países desde 1964 são intercaladas ao show, promovido pela Clinton Foundation. Por isso é um simpático ex-presidente Bill Clinton quem apresenta a banda à platéia. "Hoje, estou abrindo para os Rolling Stones", diz Clinton, que havia sido recebido nos bastidores, garantindo um dos momentos mais divertidos do filme.
Quando a produção diz que os músicos deverão estar no palco pontualmente às 17h45 para cumprimentar o casal Clinton (e agregados), Woods e o baterista Charlie Watts simplesmente riem da mesura. "Vou dizer: "Hey, Clinton, I'm Bushed'", diverte-se Richards.
Na escolha dos trechos de arquivo que entrecortam o filme, Scorsese mostrou habilidade para fazer sutis comentários. Por exemplo, à longevidade dos Stones. Numa entrevista dos anos 1970, um repórter pergunta a Richards se ele está se sentindo em forma para o tipo de show dos Stones e tenta obter uma data para o fim das turnês. Em "Shine a Light", esse duelo verbal é intercalado ao momento em que Jagger deixa o microfone para Richards. Quando termina de cantar, ele pergunta à platéia: "Vocês sentiram (a vibração), não foi?".
De Jagger, Scorsese pinça a frase dita na juventude de que "facilmente" se enxerga cantando aos 60 anos de idade.

Fãs
Além do filme propriamente, as presenças de Scorsese e dos Stones ontem em Berlim causaram enorme frisson. Fãs fizeram fila na rua (gelada) apenas para vê-los passar.
Jornalistas se acotovelaram para a entrevista coletiva com uma hora de antecedência.
Jagger contou que propôs a Scorsese que ele filmasse o show de Copacabana, no Rio de Janeiro, porque achou que seria ótimo ter o registro "daquele grande show na praia, para passar em Imax [formato de tela gigante], mas Scorsese preferiu algo mais íntimo".
O diretor explicou que sua escolha por um teatro pequeno foi porque ele gostaria de "não apenas filmar os Stones, mas mostrar a máquina armada para filmar os Stones".
De fato, o "por trás das câmeras" é mostrado no longa-metragem, a ponto de Scorsese aparecer no final, ordenando o movimento da câmera -para o céu, onde uma lua digitalizada se transforma na boca com a língua escancarada que é marca da banda.
Scorsese diz que um de seus objetivos foi fazer o espectador chegar o mais perto possível da experiência do show ao vivo.
Jagger e Scorsese afirmaram-se orgulhosos do fato de que, "pela primeira vez, um documentário irá abrir este festival". A sessão oficial para convidados, à noite, ocorreu depois da projeção para a imprensa e da coletiva.
Praticamente obrigado a falar pelos companheiros de banca, Watts confessou que odeia se ver na tela. Jagger disse que não enxerga diferença entre interpretar no cinema e se apresentar num palco. "É tudo performance."
"Shine a Light" foi exibido fora de competição. Talvez porque, com Stones e Scorsese juntos, seja difícil competir.



Presidente do júri, Costa-Gavras elogia o cinema brasileiro atual


Presidente do júri do 58º Festival de Berlim, o cineasta grego radicado na França Constantin Costa-Gavras evita a palavra "julgamento" para se referir à disputa entre filmes, "porque há algo de tribunal nela", conforme afirmou ontem, em encontro com a imprensa.
"Há filmes que amamos e filmes que amamos menos. Há filmes que nos tocam e filmes que nos tocam menos. É muito mais uma relação de amor do que de julgamento", disse.
Quando a Folha perguntou a Costa-Gavras que tipo de filmes merecem o seu amor, ele respondeu: "Os bons. É claro que é mais difícil ter bons filmes com Stallone e Schwarzenegger, mas isso também é uma questão de gosto".
E acrescentou um comentário sobre a cinematografia brasileira. "Desde o cinema novo, há muito bons filmes brasileiros. Entre os atuais, também. Na França, sentimos muito não ter a oportunidade de ver mais filmes vindos do Brasil." (SA)


BAIXAS
O júri de Berlim sofreu duas baixas. A cineasta dinamarquesa Susane Bier e a atriz francesa Sandrine Bonnaire abandonaram o barco. Segundo a justificativa dada pelo festival, Bier terá de ir aos EUA, tratar de assuntos relacionados ao seu próximo filme. E Bonnaire não poderia permanecer em Berlim durante todos os dias do festival, por isso teve de renunciar ao júri. O presidente do júri, Constantin Costa-Gavras, classificou as desistências de "um acidente" e disse que os remanescentes tentarão compensá-las sendo "mais inteligentes".

ROAD MOVIE
Costa-Gavras contou que seu próximo filme será "um road movie sobre um homem que tenta chegar a Paris". Ele pretende estreá-lo no ano que vem, "no Festival de Berlim, ou em algum outro", mas certamente fora de competição. "Acho que competir é algo que devemos fazer quando jovens."

UTILIDADE
Antes de fazer sua pergunta a Mick Jagger, uma jornalista colombiana recuperou um episódio entre os dois. "Obrigada por ter atendido àquela ligação da Colômbia, em setembro de 2003." Depois, veio a pergunta. "Vocês são ricos e famosos. Como esse filme pode ser útil?"



Festival Internacional de Cine de Cartagena apresenta o melhor da produção cinematográfica latino-americana

48ª edição do evento, que acontece entre os dias 29 de fevereiro a 7 de março, na histórica cidade colombiana, terá França como país convidado e apresentará 140 obras audiovisuais, entre elas o longa brasileiro Proibido Proibir, de Jorge Duran



Entre os dias 29 de fevereiro e 7 de março, a cidade histórica de Cartagena de Índias, no Caribe Colombiano, receberá a produção cinematográfica de diversos países em um dos principais eventos do cinema na América Latina, o Festival Internacional de Cine de Cartagena. Sua 48ª edição será marcada pela diversidade cultural: ao todo serão apresentadas cerca de 140 obras audiovisuais, entre produções colombianas e internacionais - como o longa brasileiro Proibido Proibir, de Jorge Duran. Também são destaque da mostra seis filmes da nova safra de cineastas franceses, país convidado de honra do Festival, e uma retrospectiva de Françoise Truffo.



Para estimular o mercado nacional de cada país, o evento selecionou filmes que retratam valores das nações representadas. “O Festival é um cenário ideal para fortalecer a indústria cinematográfica nacional e ibero-americana, e também para reforçar os atrativos culturais e turísticos de Cartagena de Índias, um dos destinos colombianos mais procurados pelos visitantes internacionais”, afirma Carlos Rodríguez, diretor da Proexport Colombia – entidade que promove os investimentos, as exportações, o turismo internacional e a imagem-país – no Brasil.



As obras audiovisuais estão divididas em 40 longas metragens, 20 curtas e 80 vídeos internacionais. Além das mostras cinematográficas, a programação inclui a entrega do prêmio India Catalina, na 32ª Competição Oficial Ibero-americana, e diversos concursos, como o Cine en Construcción - que julga a melhor produção cinematográfica inacabada, e oferece um prêmio de 20 mil dólares para que ela seja finalizada.



Quase meio século de história



Em 1959, um grupo de empresários e personalidades do mundo cultural de Cartagena de Índias iniciou contatos com a Federação Internacional de Produtores de Filmes (FIAPF), por meio da Embaixada da Colômbia em Paris, com o objetivo de organizar um festival internacional de filmes. A cidade passava por um período de renascimento, onde despontava como a nova sede do desenvolvimento turístico nacional graças às suas fortalezas históricas e belezas naturais.



O Festival Internacional de Cine de Cartagena firmou sua identidade nos anos 70, quando passou a promover a diversidade cultural ao realizar a exibição de obras dos países latino-americanos e caribenhos. Atualmente, é um dos mais respeitados e reconhecidos festivais da comunidade ibero-americana.



Para mais informações, acesse www.festicinecartagena.org.




Caça ao urso

"Tropa de Elite" disputa com 20 filmes os prêmios da competição principal da 58ª edição do Festival de Berlim; longas políticos dominam a mostra

No 58º Festival de Berlim, que começou quinta (dia 7), o Brasil tentará voltar dez anos no tempo e repetir o resultado de 1998, quando saiu da disputa com o Urso de Ouro de melhor filme ("Central do Brasil", de Walter Salles) e um Urso de Prata de interpretação -melhor atriz, para Fernanda Montenegro.
O representante brasileiro na competição deste ano é "Tropa de Elite", de José Padilha, que chega a Berlim para a disputa com outros 20 títulos com um histórico de sucesso e polêmicas atrás de si.
Foi o filme brasileiro mais visto no país em 2007 (2,4 milhões de espectadores). Pirateado antes da estréia nos cinemas, virou "hit" no mercado informal. Dividiu a crítica entre os que o aplaudiram e os que enxergaram em seu retrato do Bope, o Batalhão de Operações Policiais Especiais da PM do Rio, uma defesa da tortura.
"Se Wagner Moura [intérprete do protagonista Capitão Nascimento] ganhar o prêmio de melhor ator, não vou ficar surpreso", afirma Padilha.
Sobre a carreira internacional do filme, que começa por Berlim, na próxima segunda, quando ocorre sua sessão oficial competitiva, o diretor afirma estar "bem animado".

"Quem sou eu?"
"Padilha é muito otimista", diz Moura, que irá a Berlim para promover o filme, mas minimiza suas chances de vitória. "Quem sou eu perto do Daniel Day-Lewis?", compara.
O inglês Day-Lewis concorre ao Urso de Prata pela interpretação de Daniel Plainview em "Sangue Negro", de Paul Thomas Anderson. Trata-se de um personagem, assim como o Capitão Nascimento, violento e determinado, que já rendeu a Day-Lewis o Globo de Ouro e a aura de imbatível no Oscar.
Ao definir o perfil da disputa a pedido da Folha, o diretor do Festival de Berlim, Dieter Kosslick, afirma (por e-mail): "Pela primeira vez, teremos um documentário na competição pelo Urso de Ouro, "Standard Operating Procedure" [de Errol Morris]. O filme é sobre a violação dos direitos humanos em Abu Ghraib, no Iraque. De forma geral, este será um festival muito emocionante. Há ainda uma tendência de filmes muito próximos da realidade e de temas políticos".
O Festival de Berlim classificou "Tropa de Elite" como "um thriller político", ao divulgar sua seleção para a disputa.
Padilha avalia que "é razoável" a definição, desde que se entenda a palavra "political" "no sentido americano, ou seja, usado para qualquer coisa que tenha uma conotação de crítica social".
O diretor está curioso para ver como o público europeu irá reagir ao seu filme.
"Lá não existe o "background" cultural daqui, de violência urbana. As pessoas não lidam o dia inteiro com esse problema abordado no filme. Os que estarão vendo o filme não são usuários de drogas aqui, não compram maconha e cocaína de traficante armado no morro. Portanto, não têm má-consciência, vamos dizer assim, em relação ao que os policiais dizem no filme. Isso muda enormemente a percepção", diz.
A polêmica da Berlinale deste ano já se anuncia, ameaçando a exibição do candidato alemão "Feuerherz" (coração de fogo), de Luigi Farloni, baseado na biografia da cantora alemã de origem africana Senait Mehari. Personagens citados por Mehari em seu livro, sobre suas memórias de infância, quando ela teria sido submetida a treinamento militar na Eritréia, reclamaram na Justiça indenizações por difamação. Uma recente decisão desfavorável à autora colocou o livro -e o filme- em situação vulnerável.

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