Drama e superação dos cavadores de poços com silicose se misturam em “POÇO”, romance de estreia da médica Márcia Alcântara
Livro foi lançado na sexta (10), na Livraria Cultura, e traz a saga de mais
de uma década de luta contra uma doença silenciosa que vitimou centenas
de pessoas até ser descoberta por Márcia e um grupo de médicos
O
pó e seus diversos simbolismos passam pela vida do homem muitas vezes
de maneira despercebida. Até ser notado. Desde a máxima de que dele
viemos e para ele voltaremos, passando pela metáfora do pó utilizado no
mercado de beleza ou como mal dizimador da dignidade humana no mundo das
drogas, o pó pode ser visto tanto para o bem quanto para o mal. Para a
médica pneumologista Márcia Alcântara, a poeira ganhou outras proporções
em sua vida na década de 1980, após ela se deparar com um crescimento
assustador de mortes em moradores da região Norte do Ceará,
especialmente nos municípios da Serra Grande.
Uma
ampla pesquisa e a dedicação de mais de uma década de estudos e
trabalhos de campo de Márcia Alcântara com outros profissionais a
levaram a descobrir a silicose em cavadores de poços no município de
Tianguá e outros quatro municípios da região, o que levou à criação de
um programa de controle e erradicação da doença respiratória causada
pela inalação do pó de sílica.
Mais
de 15 anos de trabalho de prevenção e assistência médica levaram ao
controle absoluto da doença nos anos 2000. Mas o pó e a silicose
continuam presentes na vida de Márcia Alcântara. Hoje, com 76 anos, a
médica se prepara para um novo embate contra esse inimigo oculto, desta
vez no campo da Literatura. Após se formar no Curso de Escrita Criativa,
ministrado pela premiada escritora Socorro Acioli, Márcia tirou da
gaveta uma ideia inicial de livro produzida há seis anos e o transformou
em sua primeira obra de ficção, “POÇO”, que foi lançada nesta sexta-feira (10), às 19 horas, na Livraria Cultura, em Fortaleza.
A médica e agora escritora mergulhou no universo da criação para criar o romance “POÇO”,
que conta a saga de uma dupla de protagonistas, os personagens Joel e a
Doutora Sara, um alter-ego da autora. Os dois lutam, com mais alguns
aliados contra uma doença letal, até determinado momento desconhecida, e
que em dez anos matou mais de duas centenas de homens jovens, e mataria
mais de mil e duzentos, se não tivesse acontecido a intervenção
espontânea de um grupos de pessoas empáticas, altruístas e de valorosas
atitudes humanas. No texto ficcional de Márcia com raízes em fatos
reais, o leitor é convidado a acompanhar a saga dos dois na descoberta
da silicose, em uma narrativa onde, da sombra da morte se constrói uma
teia de resistência e bravura com consequências impensadas desde o
governador do estado ao mais simples cavador.
Para
o médico Marcelo Alcântara Holanda, também pneumologista, professor da
Universidade Federal do Ceará (UFC) e filho da autora, “a vivência da
realidade dura da perda precoce de saúde em meio aos sofridos
determinantes culturais e sociais do sertão leva ambos, médica e
paciente, cada um com sua história de vida, a moldar-lhes as reações e
as emoções, e a profundas reflexões e descobertas sobre si e sobre o
mundo”.
Na apresentação de “POÇO”,
o também médico Valton de Miranda Leão alerta: “caso leiamos este livro
com a preocupação de enxergar sua humanidade será possível extrair
desse fundo de poço toda a riqueza de uma vidência que se consolida ao
longo de dez anos de luta.” Para Socorro Acioli, escritora, jornalista e
professora de Márcia Alcântara, no prefácio do livro, o envolvimento da
médica com a situação dos cavadores de poços, vítimas da silicose,
ultrapassa os limites da responsabilidade profissional. “Primeiro,
Márcia atuou como cidadã responsável e consciente. O preço de sua
coragem foi suportar o descaso, a desconfiança e algumas doses de
preconceito e misoginia. Ela venceu. Lutou por essas pessoas com todas
as armas e deixou seu legado.”
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