Humor, mulheres, tabus, identidade e gênero: escritora cearense Virna Teixeira lança coletânea de contos
Médica psiquiatra e neurologista, que atua em uma prisão de Londres, a escritora apresenta histórias de mulheres audaciosas por um viés de ironia e sarcasmoCom livros de poesia publicados no Brasil, América Latina, Portugal e Inglaterra, a escritora Virna Teixeira, médica cearense que trabalha como psiquiatra na prisão de Wandsworth em Londres, lança seu primeiro livro de ficção intitulado “A Pupila”, publicado pela Kottler Editorial. O lançamento aconteceu em sua terra natal, Fortaleza-CE, no Abaeté Boteco. Na ocasião, tambem houve o lançamento da plaquete bilingue de poesia “O país que me habita/The country that inhabits me” da autora, Valéria Lourenço.
O novo trabalho marca a estreia da poeta, escritora, tradutora e editora no universo da prosa com um livro de contos que explora, de forma bem humorada e boas pitadas de ironia e sarcasmo, questões ligadas a um feminino menos convencional, mais dark, de situações que beiram às vezes as fronteiras da psiquiatria, passando também por questões de identidade e gênero, e os tabus da sexualidade. De acordo com o escritor Antonio Mariano, que faz o prefácio da obra, Virna Teixeira tem uma habilidade descritiva de figurinista, apresentando na coletânea mulheres inteligentes, sedutoras, sensuais, sensíveis e fortes. “Cada história é convite para um pacto entre a narradora e o leitor, uma jornada na qual não sairá ileso de sustos e surpresas”, aponta.
Sobre os personagens muito bem trabalhados não só nos trajes e fisionomia, mas também em características internas, a autora atribui essa particularidade às suas formações em neurologia e psiquiatria. “Me divirto mais escrevendo prosa, tem uma coisa irônica, sarcástica. Também tem algo que vem da minha formação, esse traço descritivo na escrita, já que a neurologia é uma especialidade muito visual em que você é treinado para pensar, olhar e localizar aquela lesão na neuroanatomia, e a psiquiatria é muito escuta, ouvir o outro”, explica Virna que, devido à pandemia, entre tantos talentos passou a se aventurar nas artes visuais, em busca de outras linguagens.
Dentro de um universo rico de histórias para contar, ela resolveu aventurar-se pela literatura e suas narrativas perpassam vivências e experiências como médica, pesquisadora e mulher. O primeiro conto que leva o nome do livro “A Pupila” é inspirado em fatos autobiográficos durante seus anos de formação como médica, exibindo com humor suas estratégias para lidar com um universo patriarcal na medicina, e seu desencanto com a neurologia. Nos demais contos, Virna apresenta personagens que são, em sua maioria, mulheres vistas como audaciosas por uma sociedade que trata o erotismo feminino de forma diferente do masculino. Já os personagens masculinos debatem-se com crises de afirmação e estereótipos patriarcais.
“É muito interessante fazer o trabalho de pensar o feminino de outra forma, entrar no universo de mulheres que não são comumente retratadas na literatura, no cinema e nas artes. Porque é como se a mulher que não tem um modelo de feminilidade, digamos assim, ela fica de fora do discurso. Se é uma mulher presidiária, uma adicta, ela fica em uma certa sombra do feminino”, destaca a autora. Uma adicta recuperada, uma dependente de sexo, uma dominatrix, uma jovem mulher andrógina que busca homens femininos são alguns dos exemplos de personagens deste livro.
Poesia costurada à mão
De autoria da escritora Valéria Lourenço, a plaquete bilíngue “O país que me habita/The country that inhabits me” também será lançada no dia 16 de agosto. O trabalho é uma atuação da Virna como editora, tradutora e ilustradora, tendo feito a capa da obra que conta em métricas poéticas a história da vida de Valéria.
Doutoranda em Literatura comparada pela UFC e professora de Língua Portuguesa e Literaturas do IFCE campus Crateús, Valéria cresceu numa família negra em Minas Gerais, que migrou para o Rio de Janeiro, onde ela nasceu, em busca de melhores condições de vida. Sua mãe trabalhou como empregada doméstica, seu pai cometeu suicídio, e seu padrasto foi assassinado. Uma tragédia não só individual, mas também coletiva em muitas famílias no Brasil, onde o preconceito, a violência, e as cicatrizes pós-coloniais e as desigualdades econômicas são imensas.
O livro com menos de 40 páginas (plaquetes), costurado à mão, foi publicado em Londres por Virna, através do seu selo independente Carnaval Press, pelo qual a cearense já publicou mais de 15 títulos de poesia, tendo no catálogo autores europeus e latino-americanos, como Jèssica Pujol e Gladys Mendía.
A arte em múltiplas linguagens
No campo da poesia e das artes, Virna Teixeira tem vasta experiência e habilidades. Participou de diversos festivais de poesia no Brasil e no exterior. O início da jornada com a poesia foi no ano 2000, com a obra Visita, pela editora 7 Letras, seguido de outros livros com temas ligados a viagens, distâncias, deslocamentos e retornos.
Desde 2015, escreve livros bilíngues e aborda questões como criação e maternidade (Maternal Instincts); a imersão nas enfermarias psiquiátricas (Suite 136); e as tensões de gênero (The Couple’s Room). Sua última coleção, My Doll and I, que saiu pela editora Lumme (2021) no Brasil, reflete sobre gênero, identidades e modos de vestir, através do diálogo com um homem travestido. Em 2021, publicou sua antologia “El mapa dolorido del cuerpo” pela Universidade de Buenos Aires, traduzida por Francisco Gelman Constantin, professor e pesquisador da área de humanidades médicas.
Ela também passeia pela tradução, do inglês para o português ou o inverso. Fez três títulos de poesia escocesa, incluindo a antologia Ovelha Negra (editora Lumme) e uma seleção de poemas de Edwin Morgan, Na Estação Central (Editora UnB). Traduziu plaquetes de Tristan Tzara e Paul Éluard, coleções de autores latino-americanos contemporâneos, e uma variedade de autores de língua inglesa para revistas de poesia. Traduziu e publicou o trabalho das autoras brasileiras Lígia Dabul, Rosane Carneiro e Valéria Lourenço.
Nas artes visuais, Virna trabalha com arte digital, gravura em metal, colagem e silk screen. Teve a primeira exposição dos seus trabalhos digitais, Nothing to fear, este ano um salão de artes em Belgrado, na Sérvia. As obras podem ser visualizadas no Instagram @virna.visual.art. A costura e a moda compõem as formas de expressão visual da artista, suas criações podem ser encontradas no Instagram @pinsandneedlesfashion.
Vocação para o Editorial
Em 2009, Virna Teixeira criou o selo “Arqueria Editorial” em São Paulo, com a proposta de publicar pequenas coleções de poesia em plaquetes costuradas à mão. No total, já foram publicados cerca de 20 títulos de poesia e tradução, incluindo poetas de renome como Horácio Costa, traduções de e.e.cummings, Paul Éluard e autores contemporâneos argentinos, como Maria Eugenia López.
Além do selo independente Carnaval Press, também lançou a revista eletrônica de literatura e artes visuais Theodora (www.theodorazine.com). O projeto internacional cria pontes entre a literatura e as artes na América Latina e Europa. Do Ceará houve a participação do artista Eduardo Frota, e do poeta e artista multimídia Eduardo Jorge, radicado na Suíça.
Sobre Virna Teixeira
Formada em medicina pela Universidade Federal do Ceará (UFC), Virna Teixeira fez residência em neurologia na USP, tendo vivido em São Paulo por vários anos. Fez pós-graduação em medicina do sono na Universidade de Edimburgo, e uma especialização em dependência química na UNIFESP. Após sua mudança para Londres em 2014, mudou de especialidade, e hoje trabalha como psiquiatra na prisão de Wandsworth. Fez um mestrado na área de humanidades médicas pelo King’s College London, na busca de integrar seus interesses literários e artísticos com a medicina. Atualmente faz formação em análise junguiana pelo IGAP (Independent Group of Analytical Psychology).
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