domingo, 4 de maio de 2014

CINEMA

Comédia com Woody Allen incomoda ao tratar de sexo e religião

"Amante a Domicílio" é uma das estreias desta semana nos cinemas

Na trama nunca sabemos se Woody Allen é personagem de John Turturro, o realizador, ou se John Turturro (também ator aqui) é personagem de Woody. Não se trata necessariamente de um problema. A indefinição designa, em princípio, o bom entendimento entre os dois. O certo é que Woody é bem Woody como dono da livraria de livros raros que por força das circunstâncias decide agenciar os serviços sexuais do florista Turturro.

Desde que transita de uma atividade a outra, nenhum tipo de escrúpulo parece abalar o livreiro. Ao contrário: Murray (nome de seu personagem) emprega toda sua lábia para convencer Fioravante, o florista, a se prostituir. O primeiro núcleo feminino da trama é formado por Sharon Stone, a dra. Parker, e Sofia Vergara, sua amiga: a médica, aliás, é quem havia pedido a Murray que encontrasse um homem para um "ménage à trois". Começa assim a carreira de garoto de programa para Fioravante.

As coisas engrossam quando Murray começa a provocar Avigal (Vanessa Paradis), a viúva de um rabino ortodoxo, a ter um encontro com Fioravante. Pelo que o filme dá a entender, Avigal não tinha sido nem tocada diretamente (com as mãos) pelo marido. Sabemos apenas que Fioravante a massageia. É tudo o que acontece entre os dois (além de ele ver os cabelos de Avigal —só os maridos podem vê-los, segundo os costumes ortodoxos).

Turturro sabe que invade terreno de risco, e talvez por isso os desdobramentos da relação sejam tão tímidos —embora essa aproximação, por casta que seja, motive uma assustadora mobilização da colônia judaica do Brooklyn, NY.

Mas essa invasão se dá em mais de um sentido. Pois é aí que Turturro, como autor, encontra o centro do que pretende: colocar-se por um lado contra a repressão sexual e, ao mesmo tempo, contra um tipo de cultura que abriu mão de seus valores e tornou-se meramente erotômana. Turturro parece buscar um meio termo entre "sexo todo o tempo" e "sexo nunca". É verdade que, depois de ameaçar tornar-se francamente iconoclasta, "Amante" recua.

Turturro sabe que seu filme pode sofrer ao mexer com religião, daí "Amante" se travestir de comédia água com açúcar. Por mais suave que busque ser, porém, os temas da repressão e da erotomania continuam lá, incômodos.

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