domingo, 20 de julho de 2025

Adeus, Preta Gil: Brasil se despede de uma mulher que desafiou padrões com arte, coragem e amor

Cantora morre aos 50 anos vítima de câncer 

Neste domingo (20), o Brasil perdeu uma de suas vozes mais autênticas e combativas. Aos 50 anos, Preta Gil faleceu em decorrência de complicações causadas por um câncer no intestino, diagnosticado em janeiro de 2023. Filha do cantor e ex-ministro da Cultura Gilberto Gil, Preta transformou sua trajetória pessoal em símbolo de resistência, representatividade e liberdade. A informação da morte foi confirmada por sua equipe.

Artista de múltiplas facetas — cantora, atriz, apresentadora, empresária —, Preta Gil não apenas herdou a musicalidade da família, mas escreveu sua própria história com independência, ousadia e afeto. Nascida em 8 de agosto de 1974 no Rio de Janeiro, ela carregava no nome uma afirmação de identidade. “Preta” não era apenas como se chamava: era como se apresentava ao mundo, com orgulho e consciência.


Muito além do sobrenome
Criada entre o Rio e Salvador, Preta cresceu cercada pela vanguarda da Tropicália, convivendo com ícones como Gal Costa (sua madrinha), Caetano Veloso (seu tio) e Maria Bethânia. Ainda assim, nunca se acomodou à sombra dos gigantes. Enfrentou racismo, gordofobia e homofobia desde cedo e fez da própria vida uma trincheira contra o preconceito. “Eu era a Preta no mundinho da Tropicália, achava que as pessoas eram como minha família. O mundo não era assim”, declarou em entrevista à Forbes.

Na adolescência, protagonizou um gesto de coragem: foi expulsa do Colégio Andrews, no Rio, ao protestar contra uma fala homofóbica de uma professora, beijando a colega Amora Mautner em sala de aula. Desde então, nunca parou de lutar por liberdade.

Amor, dor e reconstrução

Preta viveu intensamente — e nunca escondeu isso. Foi mãe aos 20 anos de Francisco Gil, hoje músico dos Gilsons. Viveu relacionamentos marcantes, como com o ator Marcos Palmeira e o personal trainer Rodrigo Godoy, com quem se separou em 2023 em meio ao tratamento oncológico. Em entrevistas, não hesitava em falar sobre amor, aborto, traições e maternidade. Sua sinceridade virou marca registrada.

Em 2021, lançou a autobiografia Os Primeiros 50, onde revisitava memórias íntimas, incluindo sua primeira relação homoafetiva. Bissexual assumida, usava sua voz para romper tabus — na arte e na vida.

A artista que se fez no tempo dela

Apesar de ter crescido nos bastidores da música brasileira, foi apenas aos 28 anos que Preta assumiu seu lugar nos palcos, incentivada por amigas como Ivete Sangalo e Ana Carolina. Seu disco de estreia, Prêt-à-Porter (2003), trouxe o hit “Sinais de Fogo” e causou polêmica pela capa ousada. A nudez, como ela defendia, era libertadora: um ato político, artístico e pessoal.

Lançou ainda discos como Preta (2005), Sou Como Sou (2012) e Todas as Cores (2017) — este último celebrando a diversidade, com participações de Pabllo Vittar, Marília Mendonça e Gal Costa. Criou o Bloco da Preta, que arrastava multidões no Carnaval do Rio, e foi pioneira em negócios de marketing de influência com a agência Mynd.

Na TV, participou de novelas na Globo e na Record, e também atuou como apresentadora, sempre esbanjando carisma e irreverência.

A luta final

Em janeiro de 2023, Preta anunciou um câncer no intestino. Enfrentou quimioterapia, cirurgias, sepse e internações, mas manteve a esperança e o bom humor. Em dezembro daquele ano, celebrou a remissão da doença e chegou a retomar compromissos, como o retorno do Bloco da Preta no Carnaval de 2024.

Contudo, em agosto de 2024, novos tumores foram identificados. “Meu câncer voltou”, anunciou com a mesma honestidade que guiou sua vida. A doença avançou rapidamente, atingindo linfonodos, o peritônio e o ureter. Preta morreu cercada de carinho, como viveu: de peito aberto.

Legado eterno

Preta Gil foi a materialização de muitas lutas — das mulheres negras, das pessoas gordas, das identidades LGBTQIA+, da liberdade de ser quem se é. Sua voz não calará. Permanece nos trios elétricos, nas letras das canções, nas memórias dos fãs, nas batalhas que ajudou a travar.

Fica também na trajetória de seu filho, Francisco Gil, pai de Sol de Maria e integrante dos Gilsons, que segue o legado da música e da sensibilidade familiar.

O Brasil hoje chora uma perda irreparável. Mas celebra também uma vida vivida com coragem, alegria e verdade. Preta Gil fez da própria existência um ato de amor e resistência. E por isso, continuará presente.

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