Ele aponta erros éticos, falhas de metodologia, risco à saúde pública e quebra de sigilo de dados de médicos
Uma "pesquisa" realizada pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) para "entender a percepção dos médicos brasileiros sobre a obrigatoriedade da vacinação contra a covid-19 em crianças de 6 meses a 4 anos e 11 meses”, oferece grave risco à saúde pública e contribui para a deseducação da população sobre vacinas.
Com essa avaliação, o médico infectologista cearense Roberto da Justa, professora da Universidade Federal do Ceará e integrante do Coletivo Rebento - Médicos em Defesa da Vida, da Ciência e do SUS, apresentou nesta sexta-feira, 12/1, denúncia ao Conselho Regional de Medicina do Distrito Federal (CRM-DF), contra o presidente do CFM, José Iran da Silva Gallo, solicitando a imediata suspensão da "pesquisa" e questionando a iniciativa tomada pelo conselho, que na última terça-feira, 9/1, postou em seu site oficial notícia sobre a citada "sondagem", além de enviar e-mail aos médicos inscritos de todo o país, convidando-os a participar online.
O Coletivo Rebento, a Rede Nacional de Médicos Populares-CE e a Associação Brasileira de Médicos e Médicas pela Democracia (ABMMD-CE) também prometem em breve se manifestar quanto ao tema, através de nota pública.
"A pesquisa está eivada de problemas, de natureza ética, de natureza técnica, com graves problemas metodológicos e certamente também possui nessa iniciativa, inclusive viéis ideológicos, uma vez que desvia o foco das atenções nesse momento em que as crianças estão com baixa cobertura vacinal para Covid. E traz à tona uma discussão menor, que é com relação a obrigatoriedade, quando na verdade o que deve ser enfatizado é a disponibilidade, o acesso, o direito à vacinação, a segurança e a eficácia que essa vacina tem, que já foi robustamente comprovada através de estudos. E o Conselho Federal de Medicina, através dessa pesquisa, tenta desviar a atenção para uma questão menor", avalia Roberto da Justa.
"O alegado objetivo da 'pesquisa' é '...enriquecer esta análise e contribuir para a tomada de decisões futuras', não deixando claro que possíveis decisões seriam essas", aponta o texto de denúncia encaminhada pelo médico cearense Roberto da Justa à Dra. Lívia Vanessa Ribeiro Gomes Pansera, presidente do Conselho Regional de Medicina do Distrito Federal. O atual presidente do CFM tem CRM (registro do Conselho Regional de Medicina) do Distrito Federal.
"Tanto na matéria publicada no site do CFM como no e-mail enviado não há qualquer menção a aprovação de protocolo em Comitê de Ética em Pesquisa, não há solicitação de preenchimento de Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), não há qualquer esclarecimento detalhado sobre a natureza da pesquisa, justificativa, metodologia, plano amostral, critérios de inclusão ou exclusão", ressalta, em sua denúncia, o médico cearense.
O dr. Roberto da Justa registra na denúncia que foi inclusive surpreendido com o fato de outra pessoa ter respondido à "pesquisa" em seu lugar, utilizando tão somente o número de seu CRM e de seu CPF.
"Em seguida, surpreso com a informação de possível vulnerabilidade e vazamento do meu código de validação, eu mesmo acessei a 'pesquisa' e realizei o preenchimento até o final. Constatei que o código de validação é gerado na própria plataforma, quando deveria ser enviado por e-mail", aponta o infectologista cearense.
"A vulnerabilidade e possibilidade de fraude, além do vazamento de código de validação de qualquer médico/a nesta 'pesquisa', passaram a ser constatadas e divulgadas amplamente em redes sociais. Circulam em grupos códigos de validação de médicos e autoridades", acrescenta Roberto da Justa, na peça de denúncia encaminhada à presidente do CRM-DF.
"Relatos circulam nas redes sociais de que qualquer pessoa pode votar quantas vezes quiser em nome de qualquer médico ou médica. Concluo que a 'pesquisa' conduzida pelo CFM está ferida de morte, inadequada, com desvios éticos, vulnerável, podendo ser fraudada e infringindo a LGPD", ressalta.
A denúncia apontando que o presidente do CFM teria violado os seguintes artigos do Código de Ética Médica: Princípio Fundamental XXIV ("Sempre que participar de pesquisas envolvendo seres humanos ou qualquer animal, o médico respeitará as normas éticas nacionais, bem como protegerá a vulnerabilidade dos sujeitos da pesquisa"), 100 ( "Deixar de obter aprovação de protocolo para a realização de pesquisa em seres humanos, de acordo com a legislação vigente") e 103, "Realizar pesquisa em uma comunidade sem antes informá-la e esclarecê-la sobre a natureza da investigação e deixar de atender ao objetivo de proteção à saúde pública, respeitadas as características locais e a legislação pertinente".
Por fim, na peça de denúncia o infectologista cearense solicita "que o CRM-DF envide esforços urgentes para cancelamento imediato da referida 'pesquisa', uma vez que a garantia do sigilo dos respondentes está comprometida, o banco de dados é vulnerável e pode ser fraudado e há indícios de infração à LGPD. Além disso, seus resultados, uma vez divulgados, poderão ensejar riscos à saúde pública".
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