Ex-presidente é acusado de liderar organização criminosa para se manter no poder após derrota em 2022
A Procuradoria-Geral da República (PGR) apresentou denúncia ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra o ex-presidente Jair Bolsonaro, o ex-ministro Walter Souza Braga Netto e mais 32 pessoas por supostamente integrarem uma trama golpista destinada a manter Bolsonaro no poder após sua derrota nas eleições de 2022 para Luiz Inácio Lula da Silva.
De acordo com a denúncia, elaborada pelo procurador-geral da República, Paulo Gonet, Bolsonaro teria "liderado uma organização criminosa" que planejou atos visando a desestabilização da ordem democrática. Entre os crimes atribuídos a ele, estão a organização criminosa armada, a tentativa de golpe de Estado, a tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito, dano qualificado pela violência, grave ameaça contra o patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado.
Os fatos apontados pela investigação
Segundo a acusação, a organização teria se estruturado de forma planejada, dividindo funções entre seus integrantes e utilizando meios como violência, intimidação, corrupção e fraude para atingir seus objetivos. As investigações apontam que, em um encontro ministerial ocorrido em julho de 2022 – cuja gravação foi feita pelo tenente-coronel Mauro Cid –, Bolsonaro teria afirmado que “os caras estão preparando tudo para Lula ganhar no primeiro turno” e ressaltado a necessidade de agir "antes" do pleito, sob o argumento de evitar que o país se transformasse em "caos" e "uma grande guerrilha" caso a reação ocorresse somente após as eleições.
Além disso, o relatório aponta que o ex-presidente analisou e solicitou alterações em uma minuta de golpe, que previa, entre outras medidas, a prisão de ministros do STF, como Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes, e também do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco. Em depoimentos, chegou ao conhecimento da investigação que, durante um encontro com comandantes das Forças Armadas em dezembro de 2022, Bolsonaro teria detalhado a possibilidade de utilizar institutos jurídicos – como a Garantia da Lei e da Ordem (GLO), o Estado de Defesa ou o Estado de Sítio – para impedir a posse de Lula, com as Forças Armadas atuando como um "poder moderador" que interferiria tanto nas eleições quanto nas decisões do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
A denúncia também aponta que Bolsonaro e seus auxiliares teriam se empenhado em disseminar notícias falsas com o objetivo de descredibilizar o processo eleitoral e criar um ambiente favorável para uma intervenção militar. Parte dessa articulação teria sido realizada durante uma reunião com embaixadores, destinada a atacar o sistema de votação brasileiro – fato que já rendeu condenação por abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação.
A relação com outras investigações
É importante destacar que, em novembro de 2024, Bolsonaro e outras 39 pessoas foram indiciadas pela Polícia Federal em investigações relacionadas a esses atos. Contudo, a PGR, ao formalizar a acusação no STF, optou por não incluir todos os nomes apontados pela PF, mantendo, entretanto, a coerência das evidências apresentadas.
O processo no STF
O processo segue com o ministro Alexandre de Moraes como relator. Após a liberação pelo relator, a denúncia será analisada pela Primeira Turma do STF, composta por ministros como Cristiano Zanin, Flávio Dino, Luiz Fux e Cármen Lúcia. Nesta etapa, será concedido um prazo de 15 dias para que as partes se manifestem. Se os ministros entenderem que há indícios suficientes do cometimento de crime, a denúncia será recebida, transformando o ex-presidente em réu, e então se dará início à fase de instrução processual, com a coleta de provas, oitiva de partes e eventual realização de diligências e perícias.
Denunciados por tentativa de golpe de Estado:
Alexandre Rodrigues Ramagem (PL-RJ), ex-diretor da Abin e deputado federal
Crimes: Golpe de Estado, Abolição violenta do Estado Democrático de Direito, Organização Criminosa.
Almir Garnier Santos, ex-comandante da Marina
Crimes: Golpe de Estado, Abolição violenta do Estado Democrático de Direito, Organização Criminosa.
Anderson Gustavo Torres, ex-ministro da Justiça
Crimes: Golpe de Estado, Abolição violenta do Estado Democrático de Direito, Organização Criminosa.
Augusto Heleno Ribeiro Pereira, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional
Crimes: Golpe de Estado, Abolição violenta do Estado Democrático de Direito, Organização Criminosa.
Jair Messias Bolsonaro, ex-presidente da República
Crimes: Golpe de Estado, Abolição violenta do Estado Democrático de Direito, Organização Criminosa.
Mauro César Barbosa Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro
Crimes: Golpe de Estado, Abolição violenta do Estado Democrático de Direito, Organização Criminosa.
Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira
Crimes: Golpe de Estado, Abolição violenta do Estado Democrático de Direito, Organização Criminosa.
Walter Souza Braga Netto, ex-ministro da Defesa, ex-candidato a vice na chapa de Bolsonaro e general
Crimes: Golpe de Estado, Abolição violenta do Estado Democrático de Direito, Organização Criminosa.
Ailton Gonçalves Moraes Barros
Angelo Martins Denicoli
Bernardo Romão Correa Netto
Carlos Cesar Moretzsohn Rocha
Cleverson Ney Magalhães
Estevam Cals Theophilo Gaspar de Oliveira
Fabrício Moreira de Bastos
Filipe Garcia Martins Pereira
Fernando de Sousa Oliveira
Giancarlo Gomes Rodrigues
Guilherme Marques de Almeida
Hélio Ferreira Lima
Marcelo Araújo Ormevet
Marcelo Costa Câmara
Márcio Nunes de Resende Júnior
Mario Fernandes
Marília Ferreira de Alencar
Nilton Diniz Rodrigues
Paulo Renato de Oliveira Figueiredo Filho
Rafael Martins de Oliveira
Reginaldo Vieira de Abreu
Rodrigo Bezerra de Azevedo
Ronald Ferreira de Araujo Junior
Sergio Ricardo Cavaliere de Medeiros
Silvinei Vasques
Wladimir Matos Soares
Reação e declarações
Em meio ao desenrolar das investigações, Bolsonaro afirmou não ter preocupação com a denúncia, desmerecendo as evidências apresentadas. Em declaração ao Senado, ele questionou a veracidade de supostos documentos e relatos, chegando a citar uma conversa com um amigo no exterior, na qual questionava:
"Estou aguardando. Um amigo que deixei em Israel me ligou e disse: 'Que golpe é esse que o Mossad [inteligência de Israel] não estava sabendo?'. Acho que isso resume tudo o que está acontecendo", afirmou o ex-presidente Bolsonaro após um almoço no Senado com o Bloco Vanguarda, de oposição ao governo.
Questionado sobre se estava com medo, Bolsonaro respondeu: "Olha para a minha cara, o que tu acha? Eu não tenho nenhuma preocupação com as acusações, zero".
Ele também fez críticas à Lei da Ficha Limpa, afirmando que ela é usada "para beneficiar a esquerda e perseguir a direita". Segundo ele: "A Dilma foi cassada aqui. O Lula, tiraram da cadeia. Anularam os 3 processos e ele disputou a eleição. Sérgio Cabral está elegível. O que eles me fizeram? O que eu fiz? Justifica me tornar inelegível por me juntar com embaixadores? Dois meses antes, o Fachin se juntou com os embaixadores".
A flexibilização da Lei da Ficha Limpa foi proposta pelo PL e pode beneficiar Bolsonaro, que atualmente está inelegível até 2030 por decisão da Justiça Eleitoral. Segundo o ex-presidente, nada o preocupa em relação às acusações.
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