As eleições municipais de 2024 tiveram um diferencial em Fortaleza: os apelos político-religiosos em forma de micaretas, amplificados pelos paredões de som. A prática, o modus operandis pode ter ocorrido em outros locais do Ceará e do Brasil, mas irei me ater à Fortaleza.
O primeiro turno terminou com o candidato do Partido Liberal (PL) em primeiro lugar. As periferias da cidade deram vitória ao então postulante ao cargo de prefeito de Fortaleza. O que se via em suas redes sociais e na propaganda televisiva era o candidato dançando, pulando e rezando em cima de paredões de som. Eram micaretas a céu aberto que embalava os seus eleitores nas regiões periféricas com direito a distribuição de abadás e muita reza.
Quem acompanhou as campanhas nas décadas de 1980, 1999 e início dos anos de 2000, vai lembrar e sentir saudade dos debates de projetos em escolas e universidades, dos comícios em praças públicas, das panfletagens, dos carros de som e das passeatas em ruas praças de nossa cidade.
Além da enxurrada de lixo virtual, dos ataques simultâneos dos candidatos, havia uma disputa para saber quem gritava e/ou tocava mais alto o seu jingle de campanha. No duelo dos paredões quem venceu o primeiro turno foi o candidato do PL.
No segundo turno, o barulho aumentou. A estratégia também foi adotada com mais veemência pelo candidato do Partido dos Trabalhadores (PT). Os paredões foram incorporados com mais força nas caminhadas, motociatas e carreatas pela cidade, sobretudo nas periferias de nossa cidade, onde havia perdido a disputa no primeiro turno.
Com a vitória do candidato do PT, Evandro Leitão, os paredões foram os protagonistas da festa no Comitê Central, sediado na Avenida Washington Soares e na sede do Partido dos Trabalhadores, na Avenida da Universidade. O som ensurdecedor tocava hits de funk e jingles do candidato vencedor, suprimindo inclusive o dos grupos musicais que foram lá se apresentar nos palcos montados pela coordenação da campanha.
Recebi um relato de um colega, que o dono de um dos paredões pediu o pix da cantora de uma das bandas para que deixasse fazer o seu “som” em paz. Deu um cala a boca na vocalista e na sua banda. Teve outro relato de um grupo que se deslocou para os dois locais onde ocorriam as comemorações, mas o clima não era propício para apresentações musicais por conta da hegemonia sonora exercida pela turma dos paredões, que ganharam no “grito”, se impuseram pelo maior potencial sonoro.
O resultado da eleição me deixou contente pela vitória da democracia e a derrota do fascismo em nossa cidade, mas por outro lado, preocupado com o crescimento dessa nova prática em nossa cidade. A prática é eficiente se formos analisar a resposta do eleitorado. Mas do ponto de vista da educação musical, da saúde física e mental, da defesa do meio ambiente e da cultura, precisa ser discutida.
Amaudson Ximenes Veras Mendonça é sociólogo e músico.
Um comentário:
Em outras palavras, ao invés de um debate sério em cima de demandas concretas, tudo se resume a apelos emotivos e barulheira histérica!
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