quinta-feira, 9 de junho de 2022

CINEMA SOCIAL

Contando uma história real, o filme “Pureza” leva o trabalho escravo contemporâneo no Brasil aos cinemas

Vencedor de 28 prêmios nacionais e internacionais, a produção estreou em 19 de maio, nos principais cinemas do Brasil. “Pureza” traz Dira Paes, Matheus Abreu, Sergio Sartório, Mariane Nunes, Cláudio Barros e Flávio Bauraqui, em forte drama que retrata o trabalho escravo nas grandes fazendas do Brasil.  Com direção de Renato Barbieri e escrito em conjunto com Marcus Ligocki, a partir da ideia original de Hugo Santarém, o longa é inspirado na história real de Pureza (Dira Paes), uma mãe brasileira que luta para livrar seu filho do trabalho escravo no país e se torna símbolo desta causa no mundo inteiro, recebendo em 1997 o Prêmio Antiescravidão oferecido pela organização não-governamental britânica Anti-Slavery International.

Após meses sem notícias do filho Abel (Matheus Abreu), que saiu em busca de uma vida melhor, Pureza viaja para encontrá-lo. Então, a mãe aflita descobre que o filho possivelmente teria ido trabalhar em uma fazenda local. Na busca de mais pistas do paradeiro de Abel, Pureza consegue emprego como cozinheira na fazenda. Dessa forma, a protagonista acaba dando de cara com uma situação perigosa e inescrupulosa: o trabalho escravo.

Pureza então consegue fugir e busca ajuda do padre Flávio (Cláudio Barros), sendo ele o responsável pela conexão entre ela e a auditora fiscal Elenice (Mariana Nunes). Nesse momento, todo o rumo da história começa a mudar e Pureza com toda coragem volta à fazenda em busca de provas, e assim, consegue acabar com o trabalho escravo naquele local, e fez o Governo Federal tomar medidas fortes para que mais fosse feito sobre o assunto.

Alguns dos trabalhadores resgatados nas fazendas, participaram como figurantes em "Pureza".

Erisvaldo Bezerra (35), que atualmente trabalha como pedreiro, ficou muito emocionado em poder participar do filme, como também reviver sua história. Ele foi parar na fazenda escravatória aos 21 anos, acreditando na promessa de um salário melhor.

"Como eu estava precisando, tinha casado recentemente e não tinha profissão, então topei. No primeiro dia, eles me receberam muito bem em Parauapebas. E no dia seguinte seguimos viagem para a fazenda localizada em São Feliz do Xingu no Pará. Ao chegar à fazenda, eu já desconfiei, pois não nos deixaram na sede e levaram-nos para um barraco na mata. Lá tinha três homens armados", relembra.

De acordo com Erisvaldo, ele chorava quase todos dias com saudades da esposa. Conta também que sempre eram maltratados. "Com vinte dias eu pedi pra ir embora. O fazendeiro mostrou a estrada e disse que se eu quisesse, era só ir a pé, sendo que a cidade mais próxima, estava a 280 km, então tive que ficar até o fim".

"Eu estou vivo para contar minha história e eles hoje são os irmãos mais ricos de Parauapebas/PA. Não vou citar nomes, porque eles têm muito poder e dinheiro", afirma Erisvaldo.

Euzimar Lopes (50), é mais tímido para falar, mas relembra com detalhes tudo que aconteceu naquela época. Ele diz que o convite foi feito por um gato (homens que fazem a captação e levam os operários para os locais onde serão explorados) da fazenda. "Eles prometeram muitas coisas, como bom salário, comida boa. Mas logo quando chegamos no local,  percebemos que aqueles homens armados não eram coisa boa. Alguns tentaram fugir, outros, não tiveram coragem. No armazém nunca conseguíamos pagar as contas. Graças ao Ministério do Trabalho e Polícia Federal,  fomos libertos", conclui.

Os atores

Para o ator Matheus Abreu a “abolição” da escravatura é, pelo menos teoricamente, um processo muito recente na história do Brasil, que aconteceu a menos de 150 anos. “Digo teoricamente pois, como o filme mesmo mostra, ela não acabou completamente. No nosso país ainda temos tristes exemplos de pessoas que passam por trabalhos em que as condições são bem semelhantes às dos escravizados. O filme retrata tanto essa realidade quanto o trabalho de pessoas que lutam e com muita dificuldade para acabar com esse cenário que não é só da ficção”, pontua.

Matheus não conheceu o verdadeiro Abel e em partes acha que isso foi bom para a composição do personagem. “Tive tempo e liberdade de criar a partir dos estudos e relatos o meu Abel, sem a necessidade de um exemplo tão físico. Mas tive a alegria de conhecer a dona Pureza e esse, pra mim, foi um momento muito especial. O que senti quando conheci a mulher por trás de todas as histórias que há alguns meses escutávamos foi valioso no meu processo ao longo do filme”, afirma.

Flávio Bauraqui, que tem uma elogiada trajetória no cinema e passagens por Faroeste Caboclo (2013), Quincas Berro D'Água (2010) e Madame Satã (2002), além de ter dado vida a grandes nomes reconhecidos nacionalmente no teatro e cinema como Pelé, Jair Rodrigues, Ismael Silva e Cartola. Foi destaque em Malhação. Atualmente brilha em Medida Provisória e no filme ``Pureza'', interpretando Narciso.

Para Flávio, “Pureza”, tem o papel de alertar,  de mexer nessa ferida, sobretudo nesse momento os trabalhadores perderam tantos direitos. "É importante que exista um filme que fale sobre isso. Acredito que o filme já virou mais um movimento, muito mais que um filme,  é um papel  incrível,  um papel importante do cinema que é mexer com nas questões sociais. E essa é uma questão contemporânea, o trabalho escravo ainda existe e é normalizado.  O filme tem esse papel de provocar,  de denunciar", conclui.

Trabalho Escravo no Brasil

Segundo informações divulgadas pelo Ministério do Trabalho e Previdência, o Brasil encontrou 1.937 pessoas em situação de escravidão contemporânea em 2021, maior número desde os 2.808 trabalhadores de 2013.

Aconteceram 443 operações, um recorde desde a criação dos grupos especiais de fiscalização móvel, em maio de 1995. Foram resgatados trabalhadores no Distrito Federal e em outros 22 estados.

Dia 28 de janeiro é comemorado o Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo.

Como denunciar

As denúncias contra o tráfico de pessoas e o trabalho escravo devem ser feitas por meio do Disque 100 e do Ligue 180. Casos também podem ser denunciados ao MPT, pelos sites
www.mpt.mp.br ou www.prt16.mpt.mp.br (MPT-MA) e, ainda, pelo aplicativo MPT Pardal (disponível gratuitamente para Android e iOs).

POR FERNANDA LEITE
Especial para o DIVIRTA-CE

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