segunda-feira, 13 de setembro de 2021

ENTREVISTA

Seminário Internacional "RAÍZES DA INTOLERÂNCIA NO BRASIL" acontece dos dias 16 a 18 de Setembro

A antropóloga e escritora Deborah Goldemberg, organizadora do Seminário, respondeu as perguntas do DIVIRTA-CE sobre o evento e sua carreira

Você já parou para pensar em como chegamos até aqui como nação? Em como evoluímos e  como povo e, em particular em como a memória das línguas mortas e as resistências linguísticas nos ensinam sobre sermos um país que é tão avesso alteridade.

Foi para responder essas e outras perguntas que a antropóloga e escritora Deborah Goldemberg concebeu o Seminário "Raízes da Intolerância no Brasil" que acontece dos dias 16 a 18 de Setembro meio de zoom para todo o Brasil em parceria com a POIESIS/Casa das Rosas e Prêmio Aldir Blanc.

Serão três dias de imersão com 25 convidados escolhidos por Deborah.  São especialistas em línguas, indígenas, antropólogos, linguistas e líderes indígenas que vivenciaram a história e foram testemunhas oculares desse processo. Entre os convidados, o filósofo e líder indígena Ailton Krenak; Sidney Possuelo, indianista e roteirista e o professor José de Souza Martins, sociólogo da Universidade de São Paulo.

O evento, conta ainda com nomes internacionais e com uma sessão dedicada também à colonização portuguesa no continente Africano, trazendo uma perspectiva comparativa.

Pensando no futuro, o seminário também lançará luz sobre os esforços de resistência linguística e, mais recentemente, de resgates linguísticos que vêm sendo empreendidos por vários atores. Estará presente Florêncio Vaz, líder indígena paraense e André Baniwa que liderou o movimento co-oficialização de línguas indígenas no Amazonas.


O Seminário Internacional "Raízes da Intolerância no Brasil" será transmitido via zoom e os interessados poderão participar mediante a inscrição no link: https://www.casadasrosas.org.br/agenda/seminrio-razes-da-intolerncia-no-brasil.

Deborah Goldemberg

Autora de 5 livros, a escritora e antropóloga Deborah Goldembeg é Formada em antropologia e direito pela London School of Economics, na Inglaterra, fez mestrado em Desenvolvimento,  focando soluções para a seca no Nordeste e metodologias participativas. Morou 7 anos no Recife, e trabalhou com comunidades quilombolas em todo Nordeste. De volta a São Paulo, dedicou-se a Amazônia e aos povos indígenas. Atuamente traballha na ONG WWF Brasil, no Círculo Povos da Amazônia, combatendo os impactos negativos do garimpo ilegal.

Para se inscrever: https://www.casadasrosas.org.br/agenda/2395-seminrio-razes-da-intolerncia-no-brasil

Confira a programação completa: https://poiesis.education1.com.br/publico/inscricao/ecbd4df986ebf85c8a2873572e804803

DIVIRTA-CE - O seminário internacional "Raízes da Intolerância do Brasil" é um importante evento que discutirá a fonte de problemas atuais e importantes que afetam a liberdade das pessoas no país. Como foi a ideia e concepção do seminário e qual a sua principal finalidade?
DEBORAH GOLDEMBERG - Após as eleições de 2018, houve um momento de espanto para uma parte dos brasileiros. A questão “Como chegamos ao ponto de eleger um candidato com bandeiras explícitas de ódio aos povos tradicionais e minorias?” nos assombrou terrivelmente, até deprimiu. Não que não soubéssemos que há racismo e preconceito no Brasil, mas isso ocorria de forma velada. Nas eleições, esse elemento foi escancarado e, pior, acolhido pela maioria dos eleitores. Minha reação inicial foi recuar e, aos poucos, ir tentando entender o que estaria na raiz disso. Fui olhar para a nossa história colonial e, principalmente, fazer algumas conexões com a história colonial de países africanos (alguns também colonizados por Portugal) e da Índia. Acabei descobrindo que a intolerância linguística foi política colonial no Brasil do Século XVIII, mas não ocorreu em outras colônias.  Nesses outros países, o plurilinguismo é a norma e muitas pessoas nem falam o português. Isso me guiou nessa curadoria que postula esse nosso histórico glotocída (de genocídio linguístico) como uma das explicações para esse perfil intolerante do brasileiro. Afinal, cada vez que morre uma língua, morre um jeito de ser e pensar. E proibir isso é um ato de intolerância.

DIVIRTA-CE - Na sua visão de antropóloga, como você explica o crescimento da intolerância no Brasil e a ascenção de políticos e líderes que pregam o preconceito e autoritarismo?
DEBORAH GOLDEMBERG - Eu entendo que há uma onda de intolerância e “polarização” política no mundo inteiro (não apenas no Brasil), levada a novos patamares pelo modo de funcionamento das redes sociais. Mas, é fato que o Brasil é um dos casos emblemáticos dessa onda. Ou seja, a luva caiu bem por aqui. A teoria que postulo é que durante os anos do Governo PT, os grupos reacionários se viram muito ostracizados. Ainda que o PT tivesse se aliado a setores da oligarquia, o discurso democrático e de diversidade se impôs de forma muito contundente. Em particular, no que diz respeito à questão racial, de classe e de gênero. Nisso, houve um grupo social que ficou “sem lugar” durante anos e, simplesmente, vibrou quando Bolsonaro surgiu. Para eles, não importava as credenciais do candidato para governar, mas sim que ele tinha coragem de dizer o que eles pensavam – isto é, ser racista, homofóbico, dizer que índio tinha terra demais, etc. Ali, eles vislumbraram ter o seu país de volta. Isso deve ficar como ensinamento: uma sociedade não muda de uma hora para outra e, tampouco, ostracizando alguns grupos. É preciso buscar transições suaves e inclusivas.

DIVIRTA-CE - Você poderia explicar o valor histórico das línguas indígenas e da própria existência desses povos para a cultura do Brasil?
DEBORAH GOLDEMBERG - O território que veio a ser chamado de Brasil é ameríndio. Aqui viviam centenas de povos indígenas que falavam estimadas mil línguas distintas e tinham seus modos de vida, suas religiões, sistemas políticos e econômicos distintos. O valor cultural é inestimável para o mundo, porque cada cultura, cada modo de pensar, até mesmo cada palavra é única e guarda uma sabedoria distinta. Para viver aqui, os colonizadores tiveram que aprender com esses povos para sobreviver na mata – saber como se alimentar e se proteger. No entanto, a relação que se travou com eles foi utilitária. Eles foram utilizados para adentrar o território, mas assim que puderam os colonizadores passaram a escravizá-los ou evangelizá-los para que eles se tornassem como eles. Essa é uma especificidade da cultura ocidental: o ímpeto de transformar o Outro à sua imagem e semelhança. Assim, cada uma dessas culturas foi sendo transmutada, silenciada e até extinta. Vai saber que segredos guardavam as centenas de etnias despareceram? Veja como hoje jovens do mundo inteiro buscam sua cura espiritual tomando ayahuasca, que é a tradição de apenas alguns povos ameríndios. Quantos conhecimentos sobre plantas e animais se perderam? Assim como nas constelações, quando uma estrela se apaga, é um mundo inteiro que se vai.

DIVIRTA-CE - Esse intercâmbio que acontecerá no seminário tem como objetivo traçar uma "luz no fim do túnel" diante de tanta violência e intolerância existentes na atualidade. Qual seria essa "luz" para você? Quais os convidados do evento você destacaria, e sua importância na luta pela causa indígena?
DEBORAH GOLDEMBERG - Quando  percebemos as causas dos problemas, há possibilidade de cura. Esse evento precisou de uma curandeira, mais do que uma curadoria! Assim, teremos pessoas de alta espiritualidade e conhecimento, como Ailton Krenak e Florêncio Vaz, líderes indígenas que desafiam o nosso pensamento e nos ajudam a nos perceber e nos reinventar a partir disso. Vamos falar de raízes, de resistências e de caminhos futuros. Também, teremos acadêmicos que conhecem muito bem toda essa história. Para alguns participantes, será o momento até de descobrir que não somos “o maior país monolíngue do mundo” como crescemos acreditando, mas vivemos num país em que se falam cerca de 160 línguas indígenas. Vamos ouvir o som do guarani, do taurepang, do terena, do baniwa - sons que muitos brasileiros jamais ouviram. Eu acredito que se deparar com esse conhecimento e essas emoções pode gerar transformações em cada um dos que estiverem no evento. Esse conteúdo depois vai virar um material educativo para ser distribuído em escolas de todo o país, com o intuito das crianças cresceram já com esse conhecimento no futuro. É uma semente.

DIVIRTA-CE - Você é formada em antropologia e direito pela London School of Econômica e fez mestrado em Desenvolvimento focando soluções para a seca do Nordeste. Como você analisa as políticas públicas em relação a esse tema, e quais os principais erros do Brasil na defesa do meio ambiente que poderiam ser reparados?
DEBORAH GOLDEMBERG - Essa é uma questão bem ampla, mas em termos gerais o grande desafio das soluções para seca no Nordeste foi aposta feita em grandes obras (herança do DNOCS) e a desatenção para como soluções tecnológicas interagem com interesses políticos. Muita água foi armazenada em grandes barragens e pouca dela chegou às regiões mais vulneráveis, pode-se dizer. Celso Furtado foi o grande pensador desenvolvimentista do Nordeste, mas havia uma certa inocência no seu tecnicismo. O projeto 1 milhão de Cisternas foi um grande salto nesse sentido e, finalmente, levou tecnologias simples para quem precisava no campo, garantindo ao menos água para consumo humano. A questão produtiva ainda é um desafio.
Sobre o meio ambiente, em termos muito gerais, diria que ainda não há uma visão que combine o crescimento econômico com a proteção do meio ambiente – não há um pacto. Ainda que não haja uma dicotomia entre os dois objetivos, porque a destruição do meio ambiente é ruim inclusive para o setor produtivo (como o caso das crises hídricas revelam), há uma parte da população que não quer fazer compromisso algum e prefere atuar com visão de curto prazo. Ou seja, não quer cumprir reserva legal e desmata ilegalmente, não protege áreas de proteção permanente para evitar assoreamento de rios, não cuida do despejo de rejeitos adequadamente, etc. Como o atual governo simplesmente deixou de fazer a mediação necessária, que consiste em licenciar e multar infratores, essas pessoas estão atuando de forma predatória. 

SERVIÇO
Seminário "Raízes da Intolerância no Brasil"
Para se inscrever: https://www.casadasrosas.org.br/agenda/2395-seminrio-razes-da-intolerncia-no-brasil

Confira a programação completa: https://poiesis.education1.com.br/publico/inscricao/ecbd4df986ebf85c8a2873572e804803

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